É inaceitável que a Alemanha dite o programa do Governo

porCecília Honório

04 de março 2011 - 2:55
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“O nosso Governo aprecia os esforços que o governo português fez. Têm de ir mais longe!” disse Merkel. O governo português fez tudo certo mas falta-nos algo. Falta-nos mais austeridade.

A viagem de José Sócrates ontem à Alemanha é um dos momentos mais significativos da nova Europa que está a ser construída, sob o pretexto do combate à crise. Não tanto pelo que anunciaram na conferência de imprensa, marcada para mercado ver, mas antes pelas condições em que o encontro se realizou. A Alemanha convida, dita as regras, estipula a agenda e anuncia se aprova, ou não, os esforços que os indígenas vão fazendo para sobreviver ao ataque especulativo ao euro.

Quanto maiores forem os sacrifícios exigidos aos trabalhadores, mais Merkel sorri e dá pancadinhas nas costas dos bons alunos. E José Sócrates aprendeu bem a lição, passando no teste com louvor e distinção. O Primeiro-Ministro levou para a mesa de Merkel os cortes salariais na função pública e o despedimento mais barato com a redução das indemnizações e o fundo para os despedimentos.

Levou os mais de 400 mil desempregados que perderam direito ao subsídio de desemprego, o 1 milhão e 300 mil beneficiários que perderam direito ou viram reduzido o abono de família, os quase dois milhões de pensionistas com pensões abaixo dos 370 euros, e cujas pensões de miséria estão congeladas, os mais de 1 milhão de precários, de jovens qualificados sem direito ao futuro.

Um programa de austeridade, aprovado com o diligente apoio do PSD em nome da tranquilidade dos mercados e da diminuição dos juros, que atirou o país para nova recessão, como reconhece o governador do Banco de Portugal, e fez os juros subir, subir e subir até estabilizarem nos níveis mais altos de sempre.

Com todas estas vidas na mesa das negociações, (vidas adiadas, pensões de miséria, agravamento de risco de pobreza infantil), Merkel disse: Porreiro pá! Estão no bom caminho!

Estão no bom caminho! Já a senhora Merkel tinha consolado desta forma, é bom recordá-lo, a Espanha e a Grécia. A austeridade e a violência social são o bom caminho!

E se José Sócrates se mantém contente consigo próprio, a Senhora Merkel está muito satisfeita com o Primeiro-ministro português.

Aliás, mais elogios era difícil: “O nosso Governo aprecia os esforços que o governo português fez. Têm de ir mais longe!” disse Merkel.

O governo português fez tudo certo mas falta-nos algo. Falta-nos mais austeridade.

É o Pacto alemão para a Competitividade, a austeridade acordada à porta fechada e que os portugueses não conhecem. Sejam novos cortes salariais, novos ataques às leis laborais ou ao sistema de pensões, ou a constitucionalização dos limites da dívida e do défice, a agenda das cimeiras europeias de Março já está a ser preparada nestes encontros a dois.

Foi assim com o modelo de governação económica e a reforma do PEC: mais austeridade, limites na dívida, no défice, na despesa pública do Estado, castigos e sanções para os incumpridores, tudo decidido sem que o Governo preste contas do que decide em Bruxelas sobra a vida de cada português. Será assim com o novo PEC e o PSD já veio dizer, mais uma vez, que está disposto a assinar de cruz.

Para o Bloco de Esquerda é inaceitável que a Alemanha dite cada alínea do novo programa do Governo. Os portugueses não sufragaram o programa de governo da Alemanha para Portugal, nem aceitaram com o seu voto resolver os problemas da banca alemã.

Os que defendem os interesses da banca europeia na especulação sobre as dívidas soberanas, alimentando a autoflagelação nacional como estratégia para exigir novos sacrifícios aos sacrificados do costume, já sonham acordados com a entrada do FMI na Portela. Marques Mendes, Paulo Rangel, a galeria dos notáveis do PSD tem-se juntado quase diariamente para ver, se em grupo, o FMI os escuta melhor e aporta em Portugal mais depressa. Passos Coelho encontra na intervenção do FMI a oportunidade história de passar o programa liberal, como o fim da universalidade dos serviços públicos de saúde e educação, como se fosse uma inevitabilidade decidida no estrangeiro.

Falta coragem à Europa para ser mais Europa. Em vez da pequenez das actuais lideranças europeias, pedia-se coragem para proteger o euro da especulação. Coragem para defender uma política para o crescimento económico e não para a recessão, e um mecanismo de dívida pública europeia que coloque fim à especulação. Coragem. Eis o que falta à Europa para colocar um ponto final nesta espiral recessiva que tem atirado a economia portuguesa, e da Europa, para o abismo da recessão e do desemprego.

Mas isso, não será possível com o contentamento recessivo do PS e PSD.

Declaração Política na Assembleia da República a 3 de Março de 2011

Cecília Honório
Sobre o/a autor(a)

Cecília Honório

Dirigente do Bloco de Esquerda, professora.
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