Tratado orçamental: a proibição da criação de emprego

A aplicação do tratado orçamental é, essencialmente, a tentativa de levar ao extremo a política que tem vindo a ser seguida, que provocou o maior aumento da dívida pública na história do nosso país.

23 de February 2014 - 11:50
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O que é?

O Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na UEM (tratado Orçamental) é um acordo celebrado por todos os Estados-membros da EU (não assinaram o Reino Unido e a República Checa) e que estabelece um conjunto de princípios e regras para as contas públicas e a governação económica dos Estados-membros signatários. Este tratado, embora configure um enviesamento radical à direita da política orçamental, foi apoiado por quase todos os grupos políticos do Parlamento (Conservadores, Liberais, PPE, Socialistas e Verdes), menos o GUE-NGL.  A mais importante dessas regras é a regra do equilíbrio orçamental, que tem sido popularizada como a “regra de ouro”.

A “regra de ouro”

A regra do equilíbrio orçamental tem sido vendida como a “regra de ouro” pelos apoiantes do tratado, como forma de insinuar que esta regra beneficia de apoio consensual, nomeadamente na teoria económica. Trata-se de uma regra genérica de equilíbrio orçamental, que permite apenas um saldo estrutural de 0,5% do PIB, a não ser nos casos de países cuja dívida pública seja inferior a 60% do PIB, em que o saldo estrutural poderá atingir 1% do PIB. Na realidade, esta regra não tem nenhum suporte na teoria económica, baseia-se em equívocos sobre o funcionamento da contabilidade nacional e é contraditória com alguns dos objectivos formulados no próprio tratado.

Que consequências teria a aplicação desta regra?

As razões pelas quais a regra não tem sentido económico e a sua aplicação teria consequências desastrosas são inúmeras:

1. Desde logo, o critério usado, o saldo estrutural, é objecto de inúmeras polémicas quanto à metodologia de cálculo. Se a metodologia for a que se baseia na tendência de anos anteriores, como parece ser o caso, o cálculo da componente estrutural e cíclica tenderá a “naturalizar” níveis elevados de desemprego.

2. A consequência deste enviesamento será a de negligenciar a criação de emprego como factor de sustentabilidade das contas públicas, na medida em que a diminuição do desemprego aumenta a criação de riqueza e, portanto, a base de incidência dos impostos e a receita fiscal e, por outro lado, reduz as necessidades de despesa social.

3. A ênfase colocada nos défices anuais, em detrimento da sustentabilidade da dívida em % do PIB (factor bem mais relevante), impede as políticas anti-crise porque proíbe o funcionamento de mecanismos de estabilização económica (como os impostos progressivos ou o subsídio de desemprego) que aumentam o défice pontualmente mas contribuem para suavizar os efeitos de um choque recessivo e facilitar a retoma. Assim, a regra de equilíbrio orçamental favorece a emergência de espirais recessivas e é completamente contraditória com o objectivo da “estabilidade” que é invocado.

4. Se o objectivo da estabilidade se refere á estabilidade da dívida, evitando o sobre-endividamento, então a regra também é absurda, porque a manutenção da dívida num determinado nível do PIB depende de vários factores. Um país pode ter um défice nulo, mas a sua dívida aumentar em % do PIB, porque este diminuiu. Por outro lado, ao impor a austeridade e agravar as consequências de crises económicas, por proibir todos os défices (mesmo que pontuais), a regra de ouro acaba, paradoxalmente por ter efeitos negativos na dinâmica da dívida.

O que implica para Portugal?

Portugal é um excelente exemplo de como a aplicação de políticas de austeridade em contexto de recessão tem efeitos desastrosos, incluindo no endividamento. A aplicação do tratado orçamental é, essencialmente, a tentativa de levar ao extremo a política que tem vindo a ser seguida, que provocou o maior aumento da dívida pública na história do nosso país.

O estrito cumprimento do tratado orçamental em Portugal é completamente impossível. Os pressupostos enunciados pelo FMI para a aplicação do Tratado implicam vários anos com um superavit primário de 2%, crescimento nominal do PIB de 3,6% e crescimento da procura entre 0 e 1,4% são, pura e simplesmente, ridículos. Nenhuma instituição acredita neles. No entanto, a simples tentativa de tentar atingir estes objectivos implicaria uma transformação radical da sociedade e do regime constitucional portugueses. O Tratado Orçamental é a revisão constitucional de Passos Coelho em versão extremista.

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