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O futuro pós-troika e a nova normalidade apregoada pelo Congresso do PSD

De uma coisa Passos Coelho não se vangloriou no Congresso do PSD deste fim de semana: do empobrecimento, do país e da população, que advogou e tem cumprido, desde 2011. De resto, o discurso atual é o da melhoria da situação do país, independentemente das condições de vida da esmagadora maioria da população estarem significativamente piores.
Na moção de estratégia global, aprovada neste Congresso do PSD, um dos capítulos tem o título “futuro pós-troika”. O que propõe o maior partido da coligação governamental de direita?
Uma afirmação clara de início: “o ajustamento da economia e a correcção das finanças públicas prosseguirão para além do Programa”. Tendo em conta que “ajustamento da economia” significa empobrecimento, como Passos Coelho afirmava em 2011, e que “correção das finanças públicas” significa cortes em salários, pensões e serviços públicos e elevados impostos, a promessa é de prosseguir a política de austeridade.
Para contestar quem se opõe a esta política, o Congresso do PSD vai mesmo ao ponto de defender o “ai aguenta aguenta” do banqueiro Ulrich, só que agora não pela afirmativa, mas pela negativa. Diz a dita moção “Agora que se vêem desmentidos pelos factos, os mesmos aparecem recorrentemente para afirmar que o País não aguenta mais os custos sociais da trajectória de consolidação, advogando implicitamente o aumento dos gastos públicos, ou a redução prematura dos impostos, ou a renegociação da dívida e dos juros”. E criticam não só a renegociação da dívida, como se lê acima, mas chegam mesmo a combater implicitamente a emissão de eurobonds, numa argumentação típica do poder germânico1, afirmando que se trata de defender “que tem de ser a União Europeia a emitir dívida por nós para deixar espaço aos países para gastarem mais do que podem hoje gastar”.
“Não ficaremos à espera que seja o exterior a solucionar ou a impor”
A moção propõe então que o caminho do pós-troika seja “exibir consciência sobre as dificuldades que ainda temos para enfrentar e mostrar determinação em não regredir, afirmando que não ficaremos à espera que seja o exterior a solucionar ou a impor os caminhos de solução dos problemas”.
Ou seja, o PSD propõe que se mantenha a política de austeridade e empobrecimento, sem que seja a troika a impor - quer continuar a ser mais troikista que a troika. Veremos abaixo o que significa na verdade este caminho, a partir das mais recentes declarações do FMI e da Comissão Europeia.
O documento explica então que as condições que as pessoas associavam à “excecionalidade” da aplicação do memorando de entendimento são “a nova normalidade” da União Europeia, imposta pelo Tratado Orçamental, apoiado por PSD, CDS e PS.
Assim, o PSD afirma que Portugal “precisará no Pós-Troika de prosseguir os esforços de redução do seu défice público e de construir (rapidamente) uma trajectória de geração de excedentes orçamentais que lhe permitam diminuir o seu rácio de dívida (que será um processo necessariamente demorado)”. Os “esforços de redução” do défice público significam, neste caso e neste quadro, novos cortes no Estado Social.
No documento, o PSD anuncia ainda o agravamento do ataque às pensões de reforma, afirmando, no capítulo dedicado às “reformas do Estado” e sobre a Segurança Social, a necessidade de “uma mais profunda reforma, nomeadamente do sistema de pensões com o propósito de garantir a confiança e a solidez no médio e longo prazo”.
O “grande líder” e a “regra de ouro”
A moção da juventude do PSD ao referido congresso (uma moção plena de populismo e reacionarismo nos vários itens que a compõem), defende a constitucionalização da “regra de ouro”, baseada na regra do Tratado Orçamental que impõe que o défice estrutural orçamental não pode ser superior a 0,5% do PIB. Ou seja, a imposição da política de austeridade na Constituição.
E justificam que essa “norma constitucional”, no formato que propõem (“um limite ao défice público em função da razoabilidade, sendo este diferente do défice orçamental por excluir o impacto das medidas extraordinárias”), porque “torna mais fácil a obtenção de um consenso interpartidário” e assim garantirem a imposição da austeridade eterna, sujeita apenas à “excecionalidade” de uma maioria de dois terços.
No congresso do PSD a moção da jota foi apresentada2 por Simão Ribeiro, vice-presidente da entidade, que se referiu a Passos Coelho como “grande líder”, e justificou a medida como de “solidariedade intergeracional”, numa política de dividir gerações.
Na moção, em que o populismo impera, ataca-se o Estado Social e propõe-se o copagamento, defendendo nomeadamente que “no domínio da saúde e da educação” as pessoas paguem “de acordo com as suas possibilidades económicas e financeiras”, conhecendo-se da prática que as “suas possibilidades” tenderão para o preço de mercado.
Mais uma década de desvalorização salarial
A “regra de ouro” na Constituição e a austeridade antes que o exterior imponha significa na realidade a austeridade eterna.
Porém, a troika nem sequer espera e durante a semana que passou FMI e Comissão Europeia (CE) deixaram claro o que pretendem impor em Portugal.
Nesta sexta-feira, o jornal “Diário Económico” anunciava: “Bruxelas propõe mais uma década de desvalorização de salários”.
A receita de FMI e CE é, de novo e sempre, a mesma política de austeridade, com novos cortes e novas reduções salariais. De imediato, o governo e a troika querem impor novos cortes nos salários de funcionários políticos, o mesmo pretendem em relação às pensões de reforma. A sua nova preocupação é de facto com o futuro pós-troika e, por isso, pretendem que esses cortes se tornem definitivos.
A troika anuncia já novas imposições para esse futuro: cortes nos salários do setor privado e novas “flexibilizações” do trabalho, nomeadamente cortes nas indemnizações por despedimento.
A isso o PSD responderá “não ficaremos à espera que seja o exterior a solucionar ou a impor”, pelo que será de novo o próprio partido de Passos Coelho a assumir as políticas de imposição dos credores, contra o povo e o país.
Memorando com partidos do arco de governação
Para o pós-troika e a política de austeridade permanente, o PSD propõe-se construir, com os parceiros sociais e “com os partidos do arco da governação”, “um memorando de confiança” de nível estratégico.
Os apelos ao PS para o consenso multiplicaram-se no próprio Congresso, com o candidato às europeias a acusar Seguro de “hesitação” e a lembrar as posições do SPD alemão (atualmente em coligação com Merkel no governo) e do PS francês, que subscrevem e aplicam as políticas de austeridade.
Marcelo Rebelo de Sousa foi ainda mais longe e veio anunciar que o consenso pós-eleitoral entre PSD, CDS e PS é “inevitável”, sublinhando numa farpa a Seguro, que António Costa “já o percebeu”.
O PSD apoia-se assim na defesa do memorando da troika e do tratado orçamental, por parte do PS, e da política de austeridade, por parte dos partidos da Internacional Socialista, para a sua política pós-troika: o austeritarismo eterno subscrito por PSD, CDS e PS.
Uma tão grande preocupação com o entendimento entre os “partidos do arco da governação” é natural, a proposta é tão negativa para o país e para as pessoas que precisa de um bloco central alargado que a defenda.
No entanto, essa preocupação mostra a sua fraqueza: está dependente da vontade da maioria das pessoas e deixa claro que a ação cidadã pode acabar com a austeridade eterna.
Notas:
1- A Alemanha tem ganho muitos milhares de milhões com a crise da dívida, por os seus títulos se tornarem um “valor seguro” e baixarem a taxa e também porque até ganham com os resgates aos países, já que a taxa de juro é mais elevada. (ver a propósito esta notícia do esquerda.net, esta da euronews ou esta do Jornal de Notícias).
2 - Ler notícia.
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