You are here

Pandemia pode empurrar para a pobreza 500 milhões de pessoas em todo o mundo

A Oxfam lançou o alerta: se não forem tomadas medidas urgentes, a pobreza global poderá abranger 8% da população mundial. Isso seria um retrocesso de décadas para vários países, aponta o estudo apresentado em vésperas da reunião dos ministros das Finanças do G-20.

Os dados constam de um recente estudo de Andy Sumner e Eduardo Ortiz-Juarez do King’s College London e Chris Hoy da Australian National University, publicado pela United Nations University World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER), que faz projeções sobre o potencial impacto a curto prazo do Coronavirus em termos de pobreza global. O estudo, que tem como referência as linhas de pobreza definidas pelo Banco Mundial: pobreza extrema para quem vive com menos de 1,9 dólares por dia até limiar da pobreza para quem vive diariamente com 5,5 dólares, conclui que no pior cenário, o número de pessoas a viver na pobreza pode aumentar entre 434 milhões e 611 milhões.

Foi precisamente tendo em conta esse estudo e com o objectivo de “enfrentar a crise do coronavirus e reconstruir um mundo mais igual para todos”, que a Oxfam apresentou o “Plano de Resgate Económico para Todos”.

As reuniões dos ministros das finanças do G-20, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que terão lugar na próxima semana, não são indiferentes à escolha do momento da apresentação. A organização lançou assim o apelo aos líderes mundiais para aproveitarem esses momentos para chegarem a acordo sobre medidas essenciais que possam permitir a sobrevivência dos países em vias de desenvolvimento a esta crise. Uma “crise económica que se está rapidamente a desenvolver” e que “é mais profunda que a crise financeira de 2008”.

De acordo com a Oxfam, é necessário mobilizar 2,5 biliões de dólares para ajudar os países em vias de desenvolvimento, para “travar a pandemia e prevenir um colapso económico global”. Mas também é necessário que essa ajuda assente “num novo contrato social entre as pessoas, os governos e os mercados, que permita reduzir a desigualdade que continua a crescer nesses países. É essencial garantir às pessoas aquilo que os líderes destes países têm falhado: um acesso universal a cuidados de saúde a garantias mínimas de rendimentos.

O “Plano de Resgate Económico para Todos”

Este plano assenta em dois eixos: as ações destinadas a ajudar as pessoas e as empresas, e as ações necessárias ao pagamento das primeiras.

Entre as ações destinadas à proteção das pessoas, o plano considera essencial a atribuição de ajudas pecuniárias e um aumento massivo dos benefícios e apoios da proteção social, para que as pessoas possam sobreviver, ou a atribuição de subsídio aos trabalhadores. Ao nível das empresas, o plano prevê a possibilidade de resgate das pequenas empresas, que são também as que têm menos meios para lidar com a crise. No caso de resgates de grandes empresas, o plano preconiza a introdução de condições como a defesa dos direitos dos trabalhadores, dos agricultores e dos contribuintes.

Relativamente ao segundo eixo, as ações para financiar a ajuda as anteriores, a Oxfam considera essencial a suspensão e cancelamento da dívida dos países em vias de desenvolvimento, à semelhança do que tem sido pedido por muitas outras organizações mundiais nas últimas semanas. O plano sugere também a emissão de 1 bilião de Direitos de Saque Especiais (SDRs) e o aumento da ajuda, apelando aos países ricos que cumpram os seus compromissos de contribuir com 0,7% do PIB. Por fim, apela à adoção de impostos de emergência solidária, que podem consistir na taxação de lucros extraordinários, impostos sobre as fortunas, sobre produtos financeiros especulativos ou sobre atividades que tenham impacto ambiental.

Uma crise que evidencia ainda mais as extremas desigualdades

Depois da crise de 2008, não se aprenderam lições, os governos continuaram a implementar as mesmas políticas económicas insustentáveis que aprofundam a desigualdade e têm contribuído de forma exponencial para agravar as alterações climáticas. Uma crise em que, como descreveu o Diretor Executivo Interino da Oxfam International, Jose Maria Vera, “os regastes dos bancos e das multinacionais foram pagos pelas pessoas comuns, ao mesmo tempo que se perderam postos de trabalho, os salários foram congelados, e os serviços essenciais, tal como os serviços de saúde foram cortados até ao osso.”

A crise global que agora se apresenta é uma crise que evidencia ainda mais “as extremas desigualdades entre as pessoas ricas e pobres, entre os países ricos e pobres e entre homens e mulheres”.

Em todo o mundo milhões de trabalhadores estão a ser mandados para casa à medida que as empresas fecham. É preciso ter em conta que há 2 mil milhões de trabalhadores no âmbito da economia informal, sem direito a baixa médica paga ou a qualquer direito ou compensação laboral. Esta é a situação de 90% dos trabalhadores nos países em vias de desenvolvimento, 67% nos países emergentes, e 18% nos desenvolvidos.

Em termos de género, a situação é substancialmente pior para as mulheres. Nos países em desenvolvimento 92% das mulheres trabalha na economia informal.

Nos países mais ricos, anos de retrocesso nos direitos laborais e o aumento expressivo da precariedade, têm contribuído para a pobreza. E estes trabalhadores pobres não podem tirar dias para descanso ou para se isolarem do vírus, precisam de trabalhar para sobreviver, apesar da ironia de nos dias que correm isso signifique arriscar a vida diariamente.

Na educação, as soluções que estão a ser adoptadas discriminam as crianças pobres, que não têm acesso a equipamentos digitais mas que ficam privadas também dos programas alimentares que eram proporcionados pelas escolas.

A Oxfam chama a atenção para o facto das respostas dos governos deverem “especial atenção àqueles grupos que são geralmente esquecidos nas decisões políticas, e que, no entanto, estão numa situação de maior vulnerabilidade devido às suas condições de vida e aos efeitos da discriminação social: migrantes, minorias étnicas e raciais, presos, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência”.  

Uma nota positiva

Se por um lado a actual crise pandémica está a expôr as vulnerabilidades das políticas postas em prática pelos vários países e governos, está, por outro lado, a mostrar que as pessoas são capazes de se mobilizar coletivamente de forma solidária. Por isso. nas notas finais, a Oxfam deixa uma nota positiva: “não é preciso isto ser assim. Podemos reconstruir um mundo melhor”. “Juntos podemos aprender as lições desta crise sem precedentes para construir uma economia mais humana e um mundo mais justo”.

 

(...)

Neste dossier:

Dossier 316: Crise global, vai ficar tudo bem?

Crise global, vai ficar tudo bem?

A pandemia trouxe grandes mudanças à situação global política, social, económica, ambiental, cultural. A crise sanitária evolui para uma profunda crise económica, cujos traços importa analisar.

Efeito ressalto.

Economia: ressalto ou afundanço?

A retoma da economia não será miraculosa porque as empresas ficaram endividadas e procurarão cortar emprego e salário, as famílias empobreceram e vão reduzir o consumo. Os governos irão mais tarde ou mais cedo procurar “sanear” as finanças públicas às custas dos de sempre. Por Michel Husson.

Walter Cronkite, Reagan, Bush e vários outros membros da sua administração em 1981. Foto de Diana Walker, disponível no Briscoe Center for American History.

Auto-extinção do neoliberalismo? Não apostem nisso

O resultado final da crise económica será determinado pelas relações entre forças sociais. O mais certo não será o abandono do neoliberalismo, nem tão pouco um estado monstruoso trumpiano, mas em vez disso a tentativa dos governantes neoliberais de transferir o peso da dívida para os trabalhadores. Por Gilbert Achcar.

Obra que Banksy ofereceu ao hospital de Southampton e que será leiloada para angariar fundos para o Serviço Nacional de Saúde britânico.

Governança e conflito social em tempo de pandemia

Ainda é possível que todos fiquemos bem. Mas isso dependerá de nós, da nossa capacidade de impedir que tudo volte a ser como era. Se a tarefa parece ser assustadora, devemo-nos lembrar que não somos totalmente impotentes. Por Cinzia Arruzza e Felice Mometti.

Plataforma petrolífera. Foto de chumlee10/Flickr.

Crash petrolífero: como é possível haver preços negativos?

Com o confinamento e o encerramento de fábricas, a procura mundial de petróleo caiu a pique e a capacidade de armazenamento está a esgotar-se. Há produtores a pagar fortunas para armazenar o produto em alto mar. A queda do preço coloca em maus lençóis os países dependentes da exportação. Artigo de Atif Kubursi.

Com o pretexto de “salvar a economia”, estado indiano suspende leis laborais até 2023

Entre as medidas do governo de Madhya Pradesh, o quinto estado mais populoso da Índia, está o aumento da jornada laboral para até 72 horas semanais. Artigo de Praveen S. para o Brasil de Fato

Monumento a Dom Quixote e Sancho Pança em Tandil. Foto de Alena Grebneva/wikimedia commons.

Covid-19 e a superação imaginária do neoliberalismo

A crise não derrotou magicamente o neoliberalismo nem abre uma avenida para um Green New Deal ou um novo Plano Marshall. É precisa uma “radiografia o mais precisa possível da situação que enfrentamos” e das relações de forças sociais existentes. Por Alejandro Pedregal e Jaime Vindel.

Cidadãos chineses durante o surto da Covid-19. Foto No Borders News.

"Esta crise pode ser a pior desde a transição da China para o capitalismo"

O que falhou e acertou no combate do governo chinês ao novo coronavírus? Que sistema de saúde existe no país e que consequências terá a crise económica? E como tudo isto afetará os movimentos sociais do país? O ativista e editor da revista Made in China, Kevin Lin, dá as respostas nesta entrevista.

Cédric Durand num debate em 2015.Foto de Attac Essone.

"O desafio desta crise é planear democraticamente a transformação da economia"

Devido às falhas do mercado e ao desenvolvimento das tecnologias da informação, o planeamento económico democrático é mais urgente do que nunca. É a forma de construir uma sociedade livre da ditadura do capital e de enfrentar a crise ambiental. Entrevista com Cédric Durand.

Economia. Foto de spDucham/Flickr.

O estado da economia mundial no início da grande recessão do Covid-19

Primeira parte da análise ao estado da economia entre a crise económico-financeira de 2007-2009 e o surgimento da Covid-19, pelo economista François Chesnais.

Marisa Matias e José Gusmão. Foto de Paulete Matos.

Bloco propõe fundo europeu para responder à crise sem austeridade

Marisa Matias considera o resultado do Eurogrupo “um fracasso”. Os eurodeputados do Bloco apresentaram uma proposta alternativa para a economia europeia. Leia aqui na íntegra.

Crise do Corona. Ilustração de Jernej Furman/Flickr.

Covid-19 e os circuitos do capital

Enquanto o interesse público é excluído da agropecuária e da fábrica de produtos alimentares, os patógenos superam a bio-segurança que a indústria está disposta a garantir ao público. O agronegócio está em conflito com a saúde pública. E a saúde pública está a perder. Por Rob Wallace, Alex Liebman, Luis Fernando Chaves e Rodrick Wallace

Morador da favela da Rocinha, janeiro de 2013. Foto de João Lima/Flickr.

A sul da quarentena

Boaventura Sousa Santos escreve sobre alguns dos grupos para os quais este período tem sido mais difícil: mulheres, trabalhadores precários e informais, moradores nas periferias pobres e idosos.

Pandemia pode empurrar para a pobreza 500 milhões de pessoas em todo o mundo

A Oxfam lançou o alerta: se não forem tomadas medidas urgentes, a pobreza global poderá abranger 8% da população mundial. Isso seria um retrocesso de décadas para vários países, aponta o estudo apresentado em vésperas da reunião dos ministros das Finanças do G-20.

Marisa Matias e José Gusmão analisam e criticam as decisões do Eurogrupo

"Ministros das Finanças não têm noção da dimensão da crise”

A resposta europeia à crise resume-se a três instrumentos de dívida. Tudo o que poderia constituir uma resposta a sério, ou ficou fora do documento, ou ficou adiado para o Conselho ou para as calendas, afirmam Marisa Matias e José Gusmão sobre as decisões do Eurogrupo.

Foto de romanakr/pixabay.

Insolvência Pandémica: porque esta crise económica será diferente

Enquanto a gestão da crise após 2008 estava preocupada com a liquidez, a principal preocupação agora é a solvência. E essa generalização de resgates e “despejos de helicópteros” de dinheiro – por mais desiguais que sejam – gera uma crise muito diferente em termos políticos e morais. Por Bue Rübner Hansen.

A economia global pára não só por causa dos bloqueios para deter o vírus, mas também porque as linhas de produção da China param

A Covid-19 e a morte da conetividade

A pandemia de Covid-19 é a segunda grande crise da globalização numa década. A primeira foi a crise financeira global de 2008-2009, da qual a economia global levou anos para parecer recuperar. Por Walden Bello

Em 2008, foi a esfera financeira que acendeu o rastilho, passando-o para a esfera produtiva. Hoje, é o contrário: a atividade económica estagnou em parte e este súbito freio está a regressar

Economia global: neoliberalismo contaminado

A atividade económica estagnou parcialmente e este súbito travão está a regressar, como um bumerangue, para ter impacto nas finanças. Esta implosão das finanças irá, por sua vez, agravar a recessão. Por Michel Husson.

Donald Trump. Foto: TheWhiteHouse/Flickr

O megapacote financeiro dos EUA e as fraturas do sistema

O plano de estímulos à economia que resultou do acordo entre republicanos e democratas surpreendeu pelo valor histórico: 2 biliões de dólares. No entanto, o plano virado para o resgate de Wall Street e das grandes empresas não resolve os problemas de um país cada vez mais desigual.

À beira de uma recessão mais grave do que em 2009

Os custos das emissões estão a disparar, a dívida das empresas é gigante, os juros na zona euro são negativos e o nível de coordenação internacional é menor.