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Reconstrução do Chile, oportunidade de negócios capitalistas

A visita do presidente do Chile e mega-empresário de direita, Sebastián Piñera, à Argentina gerou alguma expectativa. A "mudança de sinal político" que ocorreu nas eleições em que Piñera se impôs, da coligação do centro-esquerda (la Concertación) à direita pinochetista (Coalición por el Cambio), foi apresentado como um vento forte que atinge a doutrina progressista da América Latina.
Piñera foi apresentado como o primeiro presidente da direita eleito democraticamente no Chile, desde 1958. Se alguém pensou que isso poderia gerar fricções nas relações frutíferas entre o Chile e a Argentina, tão bem vistas entre a Concertación, a presidente Cristina Fernández encarregou-se de, enfaticamente, dissipar essa ideia. Deixou claro que na escala de valores, a frondosa carteira estatal e privada exibida pelo presidente-empresário chileno para a reconstrução do país vizinho, devastado pelo brutal terramoto que o atingiu, assim como o comprometimento em apoiar Néstor Kirchner para a presidência da UNASUR, valem mais que alguns princípios "progressistas".
A passagem pela Argentina
A primeira viagem ao exterior do multimilionário presidente-empresário chileno foi marcada pela gigantesca tarefa de reconstrução da infra-estrutura destruída pelo terramoto de final de Fevereiro e as suas réplicas intermináveis, cujo custo é estimado em 30 mil milhões de dólares (14% do PIB). As dezenas de milhares de milhões que serão directamente aplicados nestas obras despertaram a simpatia de empresários argentinos e brasileiros, que vêem aqui uma oportunidade de encher os seus bolsos com as poupanças e o endividamento do povo chileno.
A presidente afirmou, num almoço formal que o mega-empresário germânico-chileno Horst Paulmann, dono do Cencosud (Jumbo e Disco), ofereceu à nata empresarial argentina e a alguns artistas, ter "a certeza de que muitos empresários que estão no Chile a participar no esforço de reconstrução não se dedicam apenas ao sector da construção, embora essa seja certamente a actividade que maior procura terá num primeiro momento, e vão também explorar oportunidades de negócio que permitirão alcançar investimentos significativos", razão pela qual já está a ser organizada uma missão comercial para Maio.
Visita ao Brasil
Durante a sua visita ao Brasil, foi interessante notar o facto de ter começado por São Paulo, tendo como anfitrião o governador interino Alberto Goldman, que surgiu ao lado do candidato presidencial da oposição, José Serra. E com o mesmo espírito empreendedor com que foi recebido na Argentina, o governante chileno foi premiado com a Ordem de Mérito Industrial de São Paulo, concedida pelo maior representante patronal do Brasil, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Depois de ter designado um embaixador de carreira no Brasil após a recusa dum nomeado anterior, pinochetista, Piñera juntou à sua a campanha eleitoral de Serra, estabelecendo um paralelismo no sentido de aproveitar e de se impor à popularidade do presidente.
No entanto, na sua passagem por Brasília, apoiou a reivindicação brasileira de um lugar no Conselho de Segurança da ONU porque, como disse: "o Brasil é uma potência e merece o nosso apoio... Por tudo o que representa, é um garante de liberdade, paz e respeito pelos direitos humanos". Mas não o sustenta com base na liderança que exerce sobre as tropas infames da MINUSTAH no Haiti, ou pelo não muito distante retrocesso no processo de punição dos militares da ditadura.
A integração e outros negócios
Por trás de palavras inspiradoras como integração, cooperação, união, fraternidade regional e tantas outras, os presidentes do Chile, da Argentina e do Brasil voltaram a falar durante a digressão que decorreu no âmbito do "corredor bioceânico", do "banco do sul", de integração militar, energética e de tantos outros projectos que, à medida das necessidades empresariais, serão construídos e pagos com o suor dos trabalhadores, enquanto os lucros são dos capitalistas. Já decorreram, pelo menos dois mandatos de governos que se autodenominam de "progressistas" nestes três países, enquanto os índices de pobreza, de exploração dos trabalhadores e a impunidade nos crimes ocorridos em ditadura se mantêm praticamente inalterados.
É uma aberração que a reconstrução do Chile seja apresentada como uma "oportunidade de negócio" para os empresários, e que a isso se chame cooperação fraternal. Uma vez mais, os capitalistas demonstram que a verdadeira integração, a verdadeira solidariedade e a verdadeira fraternidade serão apenas uma realidade pela mão dos trabalhadores latino-americanos.
Embaixador pinochetista para a Argentina
Desde que assumiu o cargo, Piñera tem sido uma máquina de nomear empresários e genocidas para dirigir o estado chileno. Além de formar um gabinete empresarial para o executivo, o que lhe rendeu muitas críticas, a poucas horas de partir de viagem nomeou como director-geral da Polícia um general reformado, implicado no caso de três profissionais decapitados, em 1985, em plena ditadura de Pinochet.
Coerente com esta linha na sua política externa, Piñera nomeou como embaixadores para o Brasil e Argentina dois apoiantes fervorosos do golpe de 73. Octavio Errazuriz, que foi chanceler de Pinochet em vários países, acabou por ser recusado por Lula, mas foi depois nomeado, nada mais, nada menos, que embaixador para as Nações Unidas. Miguel Otero Lathrop, designado por Piñera para a Argentina, foi controlador de Pinochet e responsável pela expulsão e demissão de professores e estudantes da Universidade do Chile, durante a ditadura, e foi também senador, pela ultraconservadora Unión Demócrata Independiente, em substituição do reconhecido "ideólogo da ditadura", " Jaime Guzmán Errázuriz.
E se ainda restam quaisquer dúvidas sobre a sua simpatia em relação ao governo militar genocida, em recentes declarações amplamente difundidas pelos meios de comunicação social, o próprio encarrega-se de as dissipar: "Sejamos claros, graças a esse governo somos o que somos hoje em dia, e muitos dos que, apesar disso, nos criticam, estavam de acordo com a chegada dos militares na época". (www.cambio21.cl)
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