A Falácia de Marcelo

26 de janeiro 2007 - 0:00
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A polémica teve direito a vários vídeos no youtube. Marcelo Rebelo de Sousa é a favor da despenalização das mulheres e vota não no referendo. Uma posição fundamentada num equilibrismo argumentativo cujo resultado é no mínimo confuso.  No blogue «Logicamente sim»  Tiago Mendes elabora uma pertinente desconstrução da «falácia» de Marcelo. O esquerda.net mostra o texto.



«Muito bem, o aborto fica despenalizado até às 10 semanas, mas depois, como é? A mulher que aborta às 10 semanas e 1 dia vai para a cadeia? (...) E eu até seria favorável à despenalização do aborto às 10, às 12, às 20 semanas, aos 6 e aos 8 meses! Mas despenalizando o aborto feito às 10 semanas e penalizando o aborto feito às 10 semanas e um dia, não. Assim, não.»



A falácia é, claramente, uma falácia da dispersão, mais concretamente, um falso dilema. Subjacente ao que Marcelo diz, está a ideia, falaciosa, de que "ou sim ou sopas". Ou bem que se despenaliza tudo, ou se fica (leia-se, ou é melhor ficar) com a lei actual. Isto é falacioso porque existem soluções intermédias, desde logo a que está em discussão. Podem não ser as ideais, mas a ideia do "tudo ou nada" dificilmente será consistente com os valores que Marcelo afirma defender. Vou tentar explicar porquê.



A única forma honesta de justificar uma opinião isolada num debate onde a questão colocada é claramente dual (Sim ou Não) é comparar o que resulta da aprovação da proposta que está em discussão com o que resulta da sua rejeição - e com todas as implicações que cada um desses cenários tem. Não será pior, mais preocupante, mais condenável, para quem se mostre sensibilizado com a possibilidade de condenação das mulheres, um cenário em que sejam ou possam ser condenadas 100 mulheres, relativamente a um cenário em que sejam ou possam ser condenadas apenas 10?



Pessoalmente, não vejo como responder negativamente à pergunta que acabo de colocar. Como Marcelo Rebelo de Sousa, também defendo a despenalização do aborto em qualquer altura e, exactamente por defender isso, ou melhor, pelo que obviamente está por detrás disso, é que prefiro uma despenalização até às 10 semanas a uma despenalização até às 5 semanas. Não é o ideal, o que vai a votos? Pois não. Mas é o possível - hoje, em Fevereiro de 2007.



O argumento de Marcelo Rebelo de Sousa só poderia ser consistente se ele achasse equivalente haver uma, dez, cem condenações.O ponto é simples, portanto. A ideia, por si só, de que "se uma mulher que aborte até às 10 semanas não está sujeita a condenação e uma mulher que aborte às 10 semanas e 1 dia está, então, mais vale manter a actual lei" é muito dificíl de compatibilizar com a preocupação humanista e individualista demonstrada. Em quatro palavras: something's got to give.



E se acho que Marcelo Rebelo de Sousa comete uma falácia - de achar que ele apresenta ideias incoerentes com base na premissa (subjacentemente) anunciada - , é porque rejeito liminarmente a hipótese de que a premissa verdadeira possa ser diferente da (subjacentemente) anunciada - a de que a condenação de 10 mulheres afectaria a sua consciência no mesmo exacto grau que a condenação de 10.000 mulheres. Não consigo acreditar nisso.



 Tiago Mendes

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