Desde 1998, 18 condenações por aborto

24 de janeiro 2007 - 0:00
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As deputadas Helena Pinto, Sónia Fertuzinhos e Sónia Sanfona, do movimento Voto Sim, denunciaram que desde 1998 houve, por crime de aborto, 34 processos findos, com 43 arguidos e 18 condenações. Segundo a análise que as deputadas fizeram, a maioria das mulheres julgadas tinha no máximo dez semanas de gravidez. Só não foram condenadas as mulheres que exerceram o direito ao silêncio, as que assumiram que realizaram um aborto foram condenadas.

Leia o texto completo divulgado pelas deputadas.



Verdades e mentiras sobre os julgamentos de mulheres por aborto



Na sua Declaração de Princípios, o documento fundador do Movimento Voto SIM, que reúne mulheres e homens de vários quadrantes políticos, partidários, culturais, representando variados sectores da nossa sociedade, lê-se:



"Os julgamentos da Maia, Aveiro, Setúbal e Lisboa são exemplos dos efeitos da actual Lei - não evita o aborto e muito menos o aborto clandestino, humilha, penaliza e perpetua a exploração das mulheres, sobretudo as mais pobres."



De facto, os julgamentos que se realizaram após o Referendo de 1998, vieram desmentir aquilo que foi afirmado por quem defendeu o Não em 1998: Nenhuma mulher será julgada por aborto.



A manutenção da actual Lei leva a denúncias, investigações, processos, julgamentos e condenações.



Foi a isto que assistimos nos últimos 8 anos.



Hoje, nas vésperas de um novo Referendo dizem-nos: "não há mulheres condenadas a prisão"; "não há nenhuma mulher na prisão".



É caso para perguntar, e perguntamos:



Será preciso que uma mulher cumpra pena de prisão "entre grades" para que se altere o artigo do Código Penal, que, de facto, consagra: "A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos"



Em 1998 dizia-se que nenhuma mulher seria julgada, mas foram.



Hoje não há nenhuma mulher presa, mas há mulheres condenadas a pena de prisão.



Recusamo-nos a esperar pela prisão efectiva de uma mulher que interrompeu uma gravidez até às 10 semanas



Recusamos esta indignidade e vergonha para a democracia portuguesa.



O Movimento Voto SIM entendeu realizar esta conferência de imprensa, sobre os julgamentos, porque entendemos ser necessário repor a verdade em alguns aspectos que entendemos cruciais para que se veja a amplitude e crueldade das consequências da actual Lei.



1 - Enquanto a actual Lei se mantiver, acontecerão as denúncias e como consequência a investigação policial e médico-legal sobre mulheres e suas famílias. O aborto clandestino é um negócio ilícito e enquanto tal será sempre perseguido. A prova desse negócio, tem sido e continuará a ser, as mulheres que interrompem uma gravidez, muitas das quais pondo em risco a sua saúde e a sua vida.



Segundo os dados do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, de 1998 a 2004, foram registados pelas autoridades policiais, em 7 Distritos 223 crimes de aborto. Sublinhamos que 1 crime de aborto, pode abranger uma ou várias pessoas, que serão sempre investigadas.



No mesmo período tiveram lugar 34 processos findos, com 43 arguidos e 18 condenações.



Sublinhamos que os números reais podem ser superiores, pois em relação aos processos, arguidos e condenações trata-se de processos findos e como sabemos estes processos na sua maioria são sujeitos a recursos. Por outro lado, quando o número é menor de 3, não consta da estatística - ou é nulo ou está protegido pelo segredo de justiça, conforme informação do Gabinete do Ministério da Justiça.



Conclusão: as investigações, a devassa da intimidade e a exposição pública do sofrimento das mulheres existe!!



2 - Tem sido muitas vezes afirmado, que as mulheres que foram a julgamento interromperam a gravidez numa fase muito avançada, querendo com isso concluir que não seriam abrangidas pela alteração que está em causa no próximo Referendo.



Realizámos a análise de 3 sentenças - Maia, Setúbal e Aveiro.



Em todas elas é bem claro, nas situações em que foi possível fazer prova do tempo de gravidez, que as mulheres julgadas interromperam a gravidez com 10 semanas ou mesmo menos.



Sentença da Maia:



A - 6 semanas

B - 2 meses

C - 10 semanas

D - 1 mês e poucas semanas

E - 1 mês e meio

F - Um atraso no ciclo menstrual

G - Cerca de um mês



Em relação às outras arguidas a sentença afirma que o tempo de gravidez não foi apurado.



Sentença de Setúbal:



Uma das mulheres estava grávida de 2 meses.



Sentença de Aveiro:



Apenas num caso, o exame médico que foi realizado aponta para uma gravidez de 10/11 semanas. Os exames realizados às outras mulheres não indicam tempo de gravidez.



Conclusão: Se alguma coisa se pode concluir destas sentenças é precisamente que a maioria das mulheres julgadas, tinha no máximo até às dez semanas a gravidez.



Temos a convicção que podemos afirmar que nenhuma mulher, que toma a decisão difícil de interromper uma gravidez, vai protelar essa decisão. Uma mulher que decide interromper uma gravidez fá-lo o mais cedo possível, por isso consideramos o prazo de 10 semanas, o prazo indicado, que permite a reflexão e a realização do acto médico em condições de segurança para a saúde das mulheres.



3 - As condenações



Em primeiro lugar há que dizer que as mulheres em julgamento que não foram condenadas exerceram o direito ao silêncio.



Aquelas, que por vários motivos, assumiram que realizaram um aborto, foram condenadas.



Maia: A - condenada a 4 meses de prisão, substituída por multa (todas as outras remeteram-se ao silêncio)



Aveiro: A, B, C - condenadas a 6 meses de prisão, com pena suspensa por 2 anos.



Setúbal: - as duas mulheres exerceram o direito ao silêncio



Não houve, pelas situações que conhecemos condenações com penas efectivas, porque as mulheres não tinham antecedentes criminais, mas houve condenações a pena de prisão, pois a Lei assim o determina.



    Será mesmo necessário a prisão efectiva para que se reconheça o carácter injusto e desajustado desta Lei?

    Será que a investigação, o ser abordada pela polícia à saída do prédio, após a realização de uma interrupção da gravidez, o ser levada para a esquadra, para o hospital para realizar exames médicos, sem explicação, sem informação pelos seus direitos, o ser confrontada pela rusga da polícia, quando se está deitada numa marquesa, em "posição ginecológica", como refere uma sentença, não é suficiente?

    Será que alguém acredita, que caso se mantenha o artigo 140.º do Código Penal, os julgamentos não vão continuar?

    Será que vamos deixar estas situações pendentes da "boa vontade" dos Procuradores do Ministério Público?

    Será que o Procurador de Aveiro, que recorreu da decisão do Tribunal, que absolveu as mulheres e que pediu a pena máxima é caso único?

    Será que acreditamos que uma Lei existe, mas nunca será aplicada?



Para nós, as consequências da actual Lei e do artigo 140.º do Código Penal estão à vista - perseguição, julgamento e pena de prisão para as mulheres que interrompem uma gravidez.



Não carregaremos, também nós, esta "culpa". Por isso apelamos a todos os portugueses e a todas as portuguesas para que votem SIM no próximo dia 11 de Fevereiro.



Há quem nos acuse de que queremos as mulheres presas às 10 semanas e 1 dia. Não vale a pena jogar com números e com palavras ocas. O que está em causa é muito sério e é para ser tratado com seriedade e responsabilidade.



Quem defende o Não, defende a manutenção e agravamento da actual Lei e tem que responder pela situação actual - o que deve a Lei fazer às mulheres que abortam até às 10 semanas?

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