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"Estimular milhões de camponeses a irem para as cidades não tem futuro", entrevista com Wen Tiejun
1 300 milhões de chineses não podem viver como em Nova Iorque ou em Madrid. É impossível.
... o problema mais grave nos últimos anos foi a perda de terra para a urbanização, sofrida pelos camponeses, convertendo muitos em camponeses sem terra, o que provocou revoltas e instabilidade.
Entrevista com Wen Tiejun realizada por Rafael Poch-de-Feliu, publicada em La Insignia de Abril de 2006
La Insignia (LI): Tendo em conta que os chineses urbanos consomem três vezes mais energia que os rurais, é realista a estratégia de urbanização a toda a força?
Wen Tiejun (WTJ): Estimular milhões de camponeses a irem para as cidades não tem futuro. Desde 1995, onze departamentos do governo central organizaram grupos de estudo especialmente dedicados à urbanização. Não podemos copiar mecanicamente o modelo ocidental, porque não é aplicável na China. A urbanização não se pode parar, mas não é realista: 1 300 milhões de chineses não podem viver como em Nova Iorque ou em Madrid. É impossível. É muito simples de entender.
LI: Devem os chineses inventar algo que seja válido para o mundo?
WTJ: Devemos fazê-lo, estamos num "ser ou não ser" da modernização.
LI: Quais deveriam ser as tendências da "via chinesa"?
WTJ: A China elaborou seis estratégias diferentes de urbanização. A primeira é a de Nova Iorque ou Mombay: as pessoas chegam e instalam-se onde podem; os ricos num lugar e os pobres nos subúrbios. Assim acelera-se a urbanização, mas criam-se mega urbes e graves problemas. A segunda é criar cidades intermédias, de 1 a 4 milhões. A terceira é criar pequenas cidades, de menos de meio milhão. A quarta é desenvolver os centros de distrito. A quinta são os municípios pequenos, a China tem 20 000 nas áreas rurais. A sexta via é a múltipla, apostar simultaneamente em cidades grandes e pequenas. A questão é que todas estas estratégias se baseiam na aceleração da urbanização, não na sua travagem. Antes, todos pensavam que devíamos acelerar a urbanização. Mas o problema mais grave nos últimos anos foi a perda de terra para a urbanização, sofrida pelos camponeses, convertendo muitos em camponeses sem terra, o que provocou revoltas e instabilidade. Para evitar isso, iniciámos uma nova ronda de discussões. É realmente a urbanização a única via de modernização? Ou, pelo contrário, devemos pensar que a China precisa de um qualquer sistema dual, rural e urbano? Devemos pensar nesse sistema dual a longo prazo, a vinte ou trinta anos, com grande população urbana e grande população rural, porque a população é demasiado grande. Esta é a nossa discussão actual.
LI: Tem repercussão no governo?
WTJ: Cada vez influímos mais nos meios de comunicação e nos centros de poder. O governo tornou-se muito mais sensível e realista, porque se deu conta de que é preciso viver a longo prazo nesse sistema dual, o que significa maior investimento no campo. Isto é, a estratégia mudou totalmente. Em 2002 elaborámos o "Xiaokang" com enfase na sustentabilidade. Em 2003, a sustentabilidade passou a ser a nova tendência do nosso desenvolvimento. Em 2004 o partido enfatizou a "sociedade harmónica". Isso significa que há uma clara aposta numa nova mudança.
LI: Em que se traduz?
WTJ: Significa que o governo deve tomar a responsabilidade dos bens públicos nas zonas rurais; educação, saúde, administração, serviços técnicos. As administrações provinciais e central devem pagar os serviços rurais, incluindo educação, saúde e outros. Uma distribuição mais dirigida para o campo. O segundo é o investimento estatal no campo; infraestruturas, fábricas de biogás, electricidade, etc., melhorando assim o meio ambiente das povoações com pequenos projectos. Temos 680 000 aldeias. Se contarmos com os casarios dispersos, chegaremos a não menos de 4 milhões. Todos necessitam de investimentos em infraestruturas. Agora todos os investimentos estão centrados na cidade.
LI: Em Espanha, passámos de cerca de 50% para menos 10% de população rural, em poucos anos, noutros países europeus chegou-se a 3%. Qual será o limite da urbanização na China?
WTJ: Na China é impossível. O limite para a China é no máximo 55% de urbanização.
LI: Que fazer com a comunidade rural? Que papel deverá ter?
WTJ: Nos anos 90 muitas pessoas pensavam que copiando o modelo ocidental poderíamos realizar a modernização. Agora os olhares viraram-se para a cultura tradicional. A cultura tradicional é a agricultura, a comunidade rural. As comunidades rurais não necessitam de grandes superestruturas. Se as comunidades locais têm autonomia, as pessoas vivem em estreita relação com outros vizinhos e podem realizar uma administração eficaz e barata. Por isso devemos ajudar as pessoas a levarem a cabo algum tipo de reorganização baseada na cultura tradicional e nos recursos sociais tradicionais. Este é o novo desafio.
LI: O governo está sensível?
WTJ: Este ano encontrei-me duas vezes com o primeiro ministro e os seus vice ministros. Os ministros com os nossos investigadores e académicos. Entre os meus colegas fui o único a falar desta política rural.
LI: Significa que você está em minoria?
WTJ: Significa que tenho muito trabalho. Os líderes querem conhecer qual é a situação real. Ainda que não tenhamos o sistema político ocidental, temos um grande sistema de troca de informação.
LI: Porque é que a privatização da terra não funcionaria na China?
WTJ: É muito fácil de entender se visitar a Índia, o México, o Bangladesh e outros países. Todos têm esse sistema privado da terra, mas as coisas vão pior que na China. Até agora, a questão rural na China está melhor que na maioria dos grandes países em desenvolvimento, só porque só a China teve uma revolução social que deu terra a todos.
LI: Quantos camponeses receberam terra em 1949?
WTJ: Não eram todos camponeses sem terra. O problema da maioria é que tinha muito pouca, insuficiente para viver. Entre 37% e 38% da população rural eram "pobres" com pouca terra, incapazes de alimentar as suas famílias. Esse é o montante actual da Índia, 36%. No México são 34%. Na China actual, quantos? Muito poucos. O custo foi muito alto, porque tivemos três guerras e muita gente morreu. Desde 1949 manteve-se essa instituição que é a distribuição equitativa da terra.
LI: Quando diz que o efeito básico desse sistema na China não é agrícola, mas sim manter a estabilidade social, o que quer dizer?
WTJ: Que se você quer ter instabilidade, privatize. Manter o actual sistema da terra é fundamental para a estabilidade do país.
LI: Há muita resistência contra esse "novo pensamento" na China?
WTJ: O problema é o "mainstream". Temos muitos professores, quadros e empresários "mainstream", com muitos meios de propaganda que fazem crer às pessoas que o que há que fazer é enriquecer e não se preocupar com os outros. Eles controlam o poder e os meios de comunicação. Isso não quer dizer que os alternativos não tenham poder. As coisas estão a mudar. A nova capacidade redistributiva do Estado é decisiva. Antes de 1997 as receitas do Estado eram só 10% do PIB. Hoje são 20%. A capacidade do governo é dupla, o que significa que agora podemos fazer alguma coisa.
LI: Os ricos pagam o que deveriam?
WTJ: Os capitalistas devem demonstrar que são boas pessoas. Pagar impostos torna-se cada vez mais popular. Agora devem mostrar que fazem alguma coisa pela sociedade.
Tradução do espanhol de Carlos Santos
1 Wen TieJun nasceu em 1951, é especialista em economia e desenvolvimento agrário, professor na Universidade Renmin
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