Entrevista a Walden Bello: "Vivemos um período revolucionário"

04 de fevereiro 2009 - 0:00
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O filipino Walden Bello é uma das figuras de referência do Fórum Social Mundial, desde a sua criação. Bello é o presidente da "Freedom from Debt Coalition" e activista da "Focus on Global South". Em entrevista ao Esquerda.net, falou-nos da crise mundial, das respostas possíveis e  das lutas trabalhadores no Sul e Norte do planeta.



Entrevista de João Romão no Fórum Social Mundial.



 



Quais as características essenciais da crise contemporânea mundial?



Esta é uma crise global, de sobre-produção, de longo prazo e rápida difusão. Não é uma recessão mas uma depressão. As respostas conhecidas têm sido curtas e parcelares. Os responsáveis por essas respostas, os governos, desconhecem o que vem a seguir, porque as suas análises são de curto prazo, concentradas apenas nos negócios e na economia.



Os movimentos progressistas fazem outra análise, que é a análise crítica do capitalismo. O marxismo ajuda-nos a compreender a situação e as pessoas de esquerda compreendem que esta é uma crise de sobre-produção, muito profunda. Os neo-liberais, ou os moderados, realmente não sabem como lidar com esta crise. O problema é que o movimento progressista, globalmente, é relativamente fraco: não temos partidos ou movimentos muito fortes. Mas a nossa responsabilidade é grande porque temos que apresentar soluções orientadas para as pessoas.



Enfrentamos um período muito revolucionário porque as crises vêm juntas e não podemos separar as questões sociais da resposta ambiental. Os estímulos económicos não podem criar mais problemas ao ambiente. Podem aparecer boas soluções globais progressistas ou podemos vir a ter uma mentalidade populista - fascista. A extrema-direita pode vir a assumir um discurso que combine o nacionalismo com preocupações sociais, com apelos populistas às classes médias.



Outra perspectiva é a de salvar o capitalismo à custa das cedências dos trabalhadores, que é o que a social-democracia está a fazer. Pessoas como o Obama representam esta estabilização pragmática, que temos que enfrentar. Não sei quem vai ganhar, mas isto torna mais importante para nós, no Fórum Social Mundial, agir com princípios e de forma prática: princípios de radicalidade e práticas de mobilização de pessoas. São tempos de grandes desafios.



Quais são as principais ideias para estruturar essas respostas?



Precisamos de "desglobalizar" as nossas economias, orientando-as para os mercados locais e nacionais, mais do que para os mercados globais. Temos que nos afastar dos modelos de crescimento baseados nas exportações, que têm servido para as economias menos desenvolvidas alimentarem os mercados do norte. O comércio é bom e pode ser uma coisa positiva, desde que seja um comércio administrado, em que a participação nos mercados internacionais ajuda a construir a economia nacional, em vez de a destruir. O livre comércio tem destruído sectores económicos inteiros e o foco as economias deve ser o local e o nacional. Já chega de neo-liberalismo e livre comércio. O comércio internacional tem que ser sustentável, justo, assente em boas práticas. Não se trata de regressar ao proteccionismo, mas de abolir o livre comércio.



É preciso colocar a ênfase na equidade e na redistribuição de rendimentos, porque as nossas economias só podem ser dinâmicas se a população tiver poder de compra, para estimular a produção. Precisamos de democracia económica, também ao nível das empresas, para que existam processos democráticos de gestão. Temos ainda que desenvolver uma economia mista, que além do sector privado tenha Estado, cooperativismo e processos de auto-gestão. Temos que retirar às grandes multinacionais o controle das estruturas produtivas, porque foram elas que nos conduziram a esta crise. Finalmente, precisamos de uma economia ambientalmente sustentável.



Todos estes tópicos foram discutidos no Fórum Social Mundial e temos os princípios para uma alternativa, mas a forma como os pomos em prática depende da especificidade de cada economia e cada sociedade. Haverá diversidade de políticas económicas, em vez do monolitismo actual na forma de pensar a economia de acordo com o modelo neo-liberal. É necessário ter uma posição agressiva e dizer às pessoas que temos uma alternativa. Este Fórum, como outros que se têm realizado, ajudou a articular essas alternativas.



Na sua opinião, em que regiões do planeta haverá melhores condições políticas para afirmar uma alternativa?



Importa salientar que na América Latina há uma série de bons desenvolvimentos. De um ponto de vista popular, nos Estados Unidos há boas condições para a mudança. O capitalismo está muito estruturado mas há, para muitas pessoas, uma situação positiva, resultante da esperança em Barack Obama. Na Ásia Oriental temos governos conservadores no poder, que subestimam o facto de haver uma enorme quantidade de trabalhadores que espontaneamente se opõem ao sistema.



É uma diferente perspectiva que se tem, em cada parte do mundo. Mas não temos tempo a perder: temos que impulsionar processos de democracia e mudança progressista que beneficiem toda a gente e não apenas uma parte da classe trabalhadora.



A nível global, como se podem conciliar a defesa dos direitos dos trabalhadores europeus, que vêm ameaçados direitos e benefícios que já tinham conquistado, com os dos países do sul, onde esses direitos não chegaram a ser adquiridos?



Precisamos de formas de controle do capital, que tende a deslocar-se para locais onde a mão-de-obra é barata. Para salvaguardar os trabalhadores na Europa e nos países em desenvolvimento devia prevenir-se a mobilidade do capital. Tem que se considerar que há um contrato social entre o capital e a sociedade. Se o capital se recusa a cumprir esse contrato deve ser punido.



O que precisamos é de fazer subir os padrões dos que estão em pior situação. Não precisamos de uma sociedade competitiva, mas de relações internacionais cooperativas, que ajudem a redistribuir a riqueza e a promover uma alta qualidade de vida. Isto não significa que se tenham duas ou três casas, mas que as relações com as pessoas ou o trabalho sejam satisfatórias e proporcionem uma vida decente, desenvolvendo as relações de cada um com a sua comunidade.



O que realmente precisamos é de formas de controle do capital e de critérios de qualidade de vida que unam os trabalhadores do Norte e do Sul. Os movimentos sociais com intervenção transnacional podem ajudar a criar esses padrões comuns para as pessoas de todo o mundo. Neste momento, temos um mundo capitalista sobre-desenvolvido, que está a destruir o planeta. Não precisamos de acrescentar capacidade produtiva: a capacidade produtiva deve tornar-se mais sustentável no seu funcionamento e é necessária uma redistribuição de rendimento entre o norte e o sul. O consumo deve basear-se nos padrões de uma vida decente: boa qualidade de vida em vez de super-consumo.

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