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Dia-a-dia, o ano de 1968 em França

No ponto mais alto do mês de Maio de 1968 em França, dez milhões de trabalhadores estavam em greve, os transportes e os serviços públicos estavam paralisados, centenas de fábricas e de universidades ocupadas, os confrontos nas barricadas em Paris sucediam-se até a madrugada. Leia em seguida uma cronologia detalhada dos acontecimentos.

8 de Janeiro: Na inauguração da piscina da universidade de Nanterre, nos arredores de Paris, o ministro da Juventude e Desportos, François Missoffe, discute com o estudante Daniel Cohn-Bendit e é vaiado pelos estudantes.

9 de Fevereiro: Henri Langlois, director da Cinemateca, é substituído. Protestos no meio cinematográfico.

14 de Fevereiro: Manifestações estudantis, sobretudo em Nanterre, contra o regulamento das cidades universitárias. Três mil estudantes defrontam a polícia na Cinemateca.

11 de Março: Manifestação de metalúrgicos em Redon.

20 de Março: É atacada por manifestantes em Paris uma agência do American Express, como protesto contra a guerra do Vietname.

22 de Março: Incidentes na faculdade de Letras de Nanterre. Quatro alunos que protestavam contra a guerra do Vietname são presos. Os estudantes ocupam a torre administrativa da faculdade e o movimento alastra à Sorbonne e a alguns liceus. É criado o movimento 22 de Março, encabeçado por Daniel Cohn-Bendit, que viria a ser um dos mais activos da revolta.

23 de Março: O reitor da Faculdade de Letras suspende as aulas. Os estudantes invadem a escola.

27 de Março: Cohn-Bendit é preso e libertado pouco depois.

28 de Março: Grappin, reitor da Faculdade de Letras, suspende as aulas até 1 de Abril.
22 de Abril: Dois mil estudantes manifestam-se no Quartier Latin em solidariedade com Rudi Dutschke, líder da Liga de Estudantes Socialistas de Berlim, ferido com uma bala na cabeça num atentado contra a sua vida praticado por Josef Bachmann.

2 de Maio: Novos incidentes entre os estudantes e a polícia em Nanterre. Com a faculdade encerrada, os estudantes convocam um meeting para o dia seguinte na Sorbonne. Grappin suspende mais uma vez o funcionamento dos cursos. Oito estudantes são intimados a comparecer no dia 6 perante o Conselho de Disciplina da Sorbonne.

3 de Maio: No pátio da Sorbonne realiza-se a reunião de estudantes que exigem o acesso aos anfiteatros. O reitor, Jean Roche, quebrando uma regra secular, chama a polícia para entrar nas instalações universitárias. A polícia interrompe o meeting, expulsa os estudantes e encerra as instalações. Vários alunos são detidos. Muitos outros jovens são detidos nessa noite em manifestações no Quartier Latin, onde é levantada a primeira barricada, no Boulevard Saint-Michel.

4 de Maio: A revolta alastra aos liceus e às universidades do interior do país.

5 de Maio: 13 manifestantes detidos nos dias anteriores são sumariamente condenados.

6 de Maio: Oito dirigentes estudantis comparecem ao Conselho Disciplinar cantando A Internacional. O evento tem cobertura da TV e da rádio. Realizam-se novas manifestações no Quartier Latin e são erguidas barricadas. Exige-se a reabertura da Sorbonne e das restantes faculdades, bem como a libertação dos estudantes presos e a saída da polícia do Quartier Latin. Confrontos entre a polícia e manifestantes. Há 400 detenções e cerca de 600 estudantes e 345 polícias ficam feridos.

7 de Maio: Cerca de 30 mil estudantes percorrem as ruas de Paris cantando A Internacional. Em frente ao Parlamento, a palavra de ordem é: "O poder está na rua!". A polícia bloqueia o Quartier Latin e há novos confrontos. De Gaulle reage: "Não é possível tolerar a violência que grassa nas ruas."

8 de Maio: No Parlamento, o Ministro da Educação, Alain Peyrefitte, promete reabrir a Sorbonne e a Universidade de Nanterre em troca do restabelecimento da ordem. Mas os liceus, um após o outro, começam a fechar. Realizam-se novas manifestações.

9 de Maio: A Sorbonne continua encerrada. Centenas de estudantes sentam-se no chão no Boulevard Saint-Michel. Cohn-Bendit diz aos polícias: "Informamos os senhores agentes que hoje não combatemos. Será inútil provocarem-nos, porque não responderemos."

10 de Maio: Através da Rádio Luxemburgo, Alain Geismar, secretário-geral dos Sindicato dos Professores do Ensino Superior (Snesup), um dos líderes do movimento, mantém conversações em directo com o vice-reitor da Sorbonne. Mais tarde, há outra tentativa de diálogo entre o professor Alain Touraine e Cohn-Bendit. Ambas sem resultados.

Manifestações diante da prisão de La Santé. A polícia bloqueia as pontes do rio Sena. Os estudantes ocupam o Quartier Latin e fazem barricadas. Seguem-se os confrontos que se prolongam pela madrugada e seriam os mais violentos desde o início desta crise. Os estudantes tiram as pedras da calçada para atacar as forças policiais. Mais de mil feridos.

11 de Maio: As principais centrais sindicais, a CGT e a CFDT, convocam uma greve geral para dia 13 de Maio, de protesto contra a repressão. O primeiro-ministro, Georges Pompidou, interrompe a visita que estava a fazer ao Afeganistão e no regresso anuncia a reabertura da Sorbonne no dia 13 e a libertação dos estudantes detidos no início do mês.

12 de Maio: Prosseguem os confrontos entre polícia e estudantes, aos quais se juntam grupos de jovens operários.

13 de Maio: Greve geral e manifestações em todo o país. Em Paris, calcula-se que o desfile tem a participação de um milhão. Surge o grito "Dez anos, já chega!", que tem como alvo o presidente De Gaulle. A Sorbonne é reaberta e ocupada pelos estudantes. No Festival de cinema de Cannes as projecções são suspensas.

14 de Maio: O presidente da República, general De Gaulle, inicia uma visita à Roménia enquanto se desencadeiam novas greves: a fábrica da Sud-Aviation, em Nantes, é ocupada. O primeiro-ministro Georges Pompidou anuncia um projecto de amnistia.

15 de Maio: Os operários da Renault decretam uma greve e ocupam as instalações da fábrica em Cléon. A média de idades dos 4.500 trabalhadores é inferior aos 30 anos. Os 70 mil metalúrgicos de Billancourt seguem o exemplo.

16 de Maio: O movimento grevista alastra a mais de 50 empresas. A sede da Academia Francesa é ocupada.

17 de Maio: Já são cerca de cem mil os operários que ocupam fábricas em todo o país. Os sindicatos dizem que há 600 mil trabalhadores em greve. A paralisação alastra aos serviços públicos.

18 de Maio: O número de grevistas sobe para dois milhões. De Gaulle regressa da visita à Roménia.

19 de Maio: A emissão da ORTF (televisão) passa a ser controlada pelos jornalistas e técnicos.

20 de Maio: O número de grevistas já se eleva a dez milhões. Os transportes estão paralisados, o correio bloqueado, a gasolina começa a ser racionada. Ocupação do porto de Marselha pelos trabalhadores. A esquerda parlamentar pede a demissão do governo e a convocação de eleições gerais. O franco regista uma grande queda. Jean-Paul Sartre encontra-se com os estudantes da Sorbonne ocupada e diz que "é evidente que o presente movimento grevista teve a sua origem na insurreição dos estudantes."

21 de Maio: Os teatros de Paris estão ocupados.

22 de Maio: No Parlamento é derrotada uma moção de censura ao governo, mas por apenas 11 votos. As autoridades aproveitam a viagem de Daniel Cohn-Bendit (que tem nacionalidade alemã) a Berlim e a Amsterdão e retiram-lhe a licença de permanência em França.

23 de Maio: Novas manifestações e barricadas no Quartier Latin. Protestos contra a expulsão de Cohn-Bendit.

24 de Maio: Em Paris, uma manifestação estudantil grita "Somos todos judeus alemães", em solidariedade com Cohn-Bendit. Manifestantes ocupam a Bolsa de Paris, incendeiam as instalações e atacam esquadras de polícia. De Gaulle fala ao país e anuncia a realização de um referendo no prazo de um mês. Segunda noite de barricadas em Paris.

25 de Maio: Iniciam-se negociações entre os parceiros sociais. Novos confrontos com a polícia. A ORTF adere ao movimento grevista.

26 de Maio: Sindicatos, patronato e governo continuam à mesa de negociações. Na rua, manifestações de trabalhadores exigem aumentos salariais de 35%.

27 de Maio: Governo, sindicatos e patrões assinam um acordo que prevê o aumento do salário mínimo, redução do horário de trabalho e diminuição da idade da reforma.

28 de Maio: Demissão do ministro da Educação, Alain Peyrefitte. François Mitterrand anuncia a sua intenção de se candidatar à presidência "em caso de vazio político".

29 de Maio: A CGT faz uma enorme manifestação em Paris. A palavra de ordem mais gritada è "Governo popular". De Gaulle cancela a reunião do Conselho de Ministros e dirige-se secretamente a Colombey-les-Deux Églises e a Baden-Baden, na Alemanha, onde se encontra com as chefias militares.

30 de Maio: O General De Gaulle regressa a Paris e anuncia a sua recusa de se demitir. Dissolve a Assembleia Nacional (Parlamento) e convoca eleições antecipadas para Junho. Adia o referendo que anunciara dia antes. Circulam rumores dando como certa a intervenção do Exército no caso de a situação se deteriorar. Manifestação de apoio a De Gaulle em Paris.

31 de Maio: De Gaulle remodela o governo e realizam-se em todo o país novas manifestações de apoio ao general.

4 de Junho: Algumas empresas regressam ao trabalho.

5 de Junho: Regresso ao trabalho na EDF-GDF (Gás e Electricidade), nas minas, na siderurgia e dos trabalhadores do Estado.

6 de Junho: Os transportes voltam a circular.

7 de Junho: De Gaulle, em entrevista, aponta o estado caduco da universidade e a "tentativa de tomada de poder pelos comunistas". A Renault de Flins é violentamente desocupada pela polícia. Há confrontos.

10 de Junho: Novos confrontos com a polícia. Em Flins, novos confrontos com a polícia. Morre o estudante de liceu Gilles Tautin. Começa a campanha eleitoral.

11 de Junho: Confrontos com a polícia diante da fábrica da Peugeot em Sochaux : morrem dois operários. Reocupação da Renault de Flins pelos grevistas. A UNEF promove uma manifestação contra a repressão. Nova noite de barricadas no Quartier Latin.

12 de Junho: O governo proíbe as manifestações em todo o território francês e anuncia a dissolução de onze organizações políticas, entre as quais o Movimento 22 de Março, a Juventude Comunista Revolucionária (JCR, trotskista), e a União da Juventude Comunista (M-L), maoísta. Reabertura das aulas nos liceus.

14 de Junho: Evacuação do Odeon pela polícia. Retomada do trabalho nas fábricas Wonder (Saint-Ouen) e outras.

16 de Junho: A polícia acaba com a ocupação da Sorbonne.

17 de Junho: Fim da greve das várias fábricas da Renault.

Citroën em greve em 196824 de Junho: A Citroën volta ao trabalho.

27 de Junho: A ORTF volta ao trabalho. Evacuação da Escola de Belas-Artes pela polícia.

30 de Junho: A frente política liderada por De Gaulle vence as eleições gerais, com 43,6%. O Centro Democrático tem 10,3%, o PCF 20%, a Federação da Esquerda Democrática e Socialista (Mitterrand) 16,5% e o PSU 3,9%.

5 de Julho: Desocupação da Faculdade de Medicina de Paris pela polícia.

10 de Julho: Prisão de Alain Krivine, líder da JCR. Só será libertado no Outono.

13 de Julho: Maurice Couve de Murville sucede a Pompidou como primeiro-ministro.

29 de Abril de 1969: De Gaulle renuncia depois de se ver derrotado no referendo para transformar o Senado num corpo consultivo, ao mesmo tempo que ampliava os poderes aos concelhos regionais. Houve quem dissesse que o referendo foi um suicídio político cometido pelo presidente depois dos eventos traumáticos de Maio de 68.

9 de Novembro de 1970: De Gaulle morre subitamente, nas vésperas do seu 80º aniversário.

(...)

Neste dossier:

Maio de 68

Quarenta anos depois, o Esquerda.net preparou um dossier sobre os acontecimentos do Maio de 68 francês e também sobre a onda revolucionária que abalou o mundo naquele ano. A cronologia dos acontecimentos, os protagonistas, os sons e as músicas, os vídeos, os balanços do Maio fazem parte deste dossier, que continuará a ser actualizado durante o mês.

1968: Praga, uma "Primavera" esmagada

A "Primavera de Praga" foi sufocada. As possibilidades de democratizar as "democracias populares" a partir do seu seio reduziram-se drasticamente; mas permanecerá o seu exemplo, como gesto colectivo de audácia e de combatividade, de entrega generosa, que encheu as ruas de Praga e de outras cidades e que levou muito mais longe a vontade de combater o estalinismo como forma pervertida e enquistada de um poder autoritário e burocrático.

Por João Madeira 

Brasil 1968: "Mataram um estudante. Podia ser seu filho"

A onda de mobilizações estudantis que atravessou o mundo no ano de 1968 também passou pelo Brasil. Apesar da ditadura militar que fora implantada quatro anos antes, o movimento estudantil vivia em 1968 uma enorme ebulição. A União Nacional de Estudantes (UNE), apesar de ter visto a sua sede incendiada pelos próprios militares golpistas de 1964, não fora desarticulada, funcionando em clandestinidade. O que detonou as grandes mobilizações de Março e Junho de 1968 foi a morte do estudante Edson Luis, em 28 de Março, no Rio de Janeiro.

As heranças de Maio

Maio de 68 foi há quarenta anos. E a evidência da efeméride, como não podia deixar de ser, tem trazido a sua habitual profusão de eventos: emissões televisivas, debates, livros, colóquios, álbuns, DVDs. E ainda imagens inéditas, o «onde estava em Maio de 68?», as sondagens de opinião, «o que sempre quis saber»... Mas a previsível e cíclica proliferação de discursos e objectos ganhou, neste aniversário, uma importância particular. Como pano de fundo de todos os debates têm estado quase sempre as acusações anti-68 lançadas pelo actual presidente francês no ano passado, em plena da campanha eleitoral.

Por Manuel Deniz Silva, publicado originalmente na revista Vírus

Protagonistas

Pequenas biografias dos que dirigiram o movimento de Maio de 68 francês, e também dos que participaram, dos que influenciaram e dos que se opuseram. Textos baseados num dossier preparado pelo Nouvel Observateur.

O Maio francês no YouTube (2)

Veja um vídeo sobre os acontecimentos de Maio-Junho de 1968, em França.

O Maio francês no YouTube (1)

Veja uma selecção de vídeos sobre os acontecimentos de Maio-Junho de 1968 em França.

O romantismo revolucionário

O espírito de 68 é uma bebida potente, uma mistura apimentada e desejável, um coquetel explosivo composto por diversos ingredientes. Um dos seus componentes - e não o menor - é o romantismo revolucionário, ou seja, um protesto cultural contra os fundamentos da civilização industrial/capitalista moderna, o seu produtivismo e o seu consumismo, e uma associação singular única e sem género, entre subjectividade, desejo e utopia - o "triângulo conceitual" que o define, segundo Luisa Passerine, 1968[1]. Texto de Michael Löwy[2], publicado pela revista Espaço Académico. [3]

Dia-a-dia, o ano de 1968 em França

No ponto mais alto do mês de Maio de 1968 em França, dez milhões de trabalhadores estavam em greve, os transportes e os serviços públicos estavam paralisados, centenas de fábricas e de universidades ocupadas, os confrontos nas barricadas em Paris sucediam-se até a madrugada. Leia em seguida uma cronologia detalhada dos acontecimentos.

Sons: "É só um começo, continuemos o combate"

1968 foi um ano marcado por várias revoltas praticamente em todos os continentes. A juventude esteve na primeira linha na rejeição da ordem estabelecida e da sociedade de consumo. A denúncia da guerra americana no Vietname era um ponto de convergência nos Estados Unidos, nas universidades europeias, como Paris, Roma, Berlin, Londres e também no Japão.

"A Batalha de Praga", de Flausino Torres

A Primavera de Praga de 1968 foi testemunhada pelo historiador e militante comunista português Flausino Torres, pai do arqueólogo Cláudio Torres, que dava aulas na Universidade Karlova. Horrorizado, Flausino Torres assistiu aos tanques soviéticos esmagando a experiência de um "socialismo sem ditadura; socialismo com democracia, com minorias; socialismo sem censura à imprensa". É um extracto do relato que escreveu na altura, "A Batalha de Praga", que nunca chegou a ser publicado, que pode ser lido abaixo.

Heréticos e rebeldes

Uns dirão que a revolução desertou. E que tomar o poder é mais fácil do que se pensava. Outros dirão que não: tudo é possível. Mas difícil: é preciso um terramoto na história, nas fibras mais profundas da sociedade, para que se abra uma escolha.
Por Francisco Louçã
Artigo publicado originalmente na revista Vida Mundial de Maio de 1998

A arte nas ruas

Os mais criativos e eficazes cartazes de rua de toda a história foram criados em assembleias gerais, produzidos artesanalmente, discutidos abertamente nas semanas do Maio francês de 1968. Foram criações colectivas que envolveram mais de 300 artistas. A sua eficácia é ainda hoje um exemplo para todos os que se preocupam com a arte de passar uma mensagem. É um pouco da sua história, que é também a história do Atelier Popular, que se conta aqui.