Aborto clandestino mata 68 mil mulheres por ano

26 de janeiro 2007 - 0:00
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A jornalista da Inter Press Service,  Stephen Leahy, analisa os relatórios da Organização Mundial de Saúde publicados há 3 semanas na revista Lancet. Além dos números assustadores, a jornalista põe a nu algumas responsabilidades. George Bush decidiu anular todos os apoios a ONGs que usem financiamento de outras fontes para praticar ou recomendar às mulheres a prática de aborto. Nenhum outro país promove a exclusão de serviços de saúde sexual e reprodutiva por assuntos ligados ao aborto.



 



 



Meio milhão de mulheres morrem em cada ano por causas relacionadas com gravidez, aborto e parto, 99% delas em países em desenvolvimento, informou a Organização Mundial de Saúde. “Estas mortes não seriam toleradas noutras circunstancias”, disse Dorothy Shaw, da Faculdade de Medicina da Universidade de Columbia Britânica, do Canadá.



Os países não cumprem as suas responsabilidades e promessas de financiar programas de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o acesso universal a métodos anticoncepcionais, que por si só reduziria drasticamente a quantidade de abortos, disse Shaw. “Mais de 68 mil mulheres morrem por ano por causa de abortos clandestinos”, afirmou Janie Benson, vice-presidente de pesquisas da Ipas, organização não-governamental dedicada a aumentar a capacidade das mulheres para exercerem os seus direitos sexuais e reprodutivos. Boa parte dos 20 milhões de mulheres que se submetem a abortos inseguros a cada ano sofre complicações médicas, algumas delas fatais, disse Benson à IPS. “Está pandemia pode ser prevenida”, ressaltou.



Os abortos legais são muito seguros. E quando esta prática é despenalizada a sua frequência não aumenta, assegurou Benson, citando como exemplo a experiência sul-africana. Entretanto, como legalizou o aborto, a África do Sul já não pode receber financiamento do Programa Conjunto das Nações Unidas contra o HIV/aids (Onusida) para projectos de saúde sexual e reprodutiva. “Precisamos que os governos decidam que vale a pena salvar as vidas das mulheres”, afirmou a activista. Uma mudança na política de assistência dos Estados Unidos poderia melhorar a vida sexual e reprodutiva em todo o mundo, segundo uma série de seis informes coordenados pela OMS divulgados na semana passada na revista médica britânica The Lancet.



No que oficialmente é conhecido como Política da Cidade do México (porque ali foi estabelecida), o governo do presidente George W. Bush decidiu que os Estados Unidos não podem dar assistência em matéria de planeamento familiar a organizações não-governamentais estrangeiras que usem financiamento de outras fontes para praticar ou recomendar às mulheres que realizem abortos. É difícil subestimar o efeito destrutivo da política de Washington, disse Steven Sinding, ex-diretor-geral da Federação Internacional de Planeamento da Família (IPPF).



Esta entidade perdeu US$ 15 milhões em ajuda por causa desta política, conhecida como a “regra mordaça”, porque reprime o livre discurso e o debate público sobre assuntos ligados ao aborto. “Como consequência, três dos cinco centros de planeamento familiar apoiados pela IPPF no Quénia tiveram de fechar”, disse Sinding à IPS. As consequências directas desses encerramentos foram “um drástico aumento dos abortos inseguros e um crescimento substancial dos casos de gravidez indesejada”, acrescentou. “O Estados Unidos estão vergonhosamente sozinhos nisto”, disse, por sua vez, Stan Bernstein, assessor do Projecto da Organização das Nações Unidas para o Milénio. “Nenhum outro país promove a exclusão de serviços de saúde sexual e reprodutiva por assuntos ligados ao aborto”, destacou Bernstein numa entrevista. Mas como os Estados Unidos são o país – e o doador – mais rico do mundo, a sua política tem um impacto importante nesses serviços. O que frequentemente se esquece nos debates sobre política e ideologia é que os nascimentos não desejados e as suas consequências sobre a saúde são um importante obstáculo para o desenvolvimento. As nações de baixos rendimentos não podem atender às actuais necessidades sanitárias das suas jovens, e não podem melhorar sem planeamento familiar, disse o activista.



Entre 1960 e 2000, a proporção de mulheres em todo o mundo que usaram métodos anticoncepcionais modernos aumentou de menos de 10% para 60%, e o número médio de nascimentos por mulher caiu de seis para três. Mas, em metade dos países com rendimentos baixos ou médios a fertilidade, o crescimento demográfico e as necessidades não cumpridas em matéria de planeamento familiar continuam altos, enquanto o uso de anticoncepcionais se mantém baixo. Assim, mais de 120 milhões de casais não podem atender às suas necessidades de anticoncepcionais modernos e calcula-se que 80 milhões de mulheres têm gravidez não procurada ou indesejada, 45 milhões das quais terminam em abortos a cada ano, informou The Lancet.



As complicações vinculadas à gravidez matam meio milhão de mulheres por ano e deixam cerca de 210 milhões de mulheres com incapacidades. Na África, menos de 10% da população têm acesso a anticoncepcionais, disse Bernstein. “Na África, somente os ricos têm a família do tamanho que querem”, assegurou. Quanto à estratégia da Casa Branca de promover a abstinência, a maioria das mulheres não tem controle sobre as suas vidas e não se podem  negar a manter relações sexuais, explicou Shaw. “Cinquenta por cento dos ataques sexuais são contra meninas menores de 15 anos. Essa é a realidade em muitos países de baixos rendimentos”, acrescentou.



O planeamento familiar é uma ferramenta poderosa para estimular o desenvolvimento, mas o financiamento caiu 30% em anos recentes. Os actuais níveis de financiamento são menos de metade do que os 179 países se comprometeram a pagar na conferência sobre população e desenvolvimento realizada em 1994 no Cairo. Portanto, não houve nenhum avanço em 20 anos, afirmou. “Ainda morrem 500 mil mulheres por ano, como em 1994”, acrescentou.



Entre 1995 e 2003, o apoio de doadores ao planeamento familiar caiu de US$ 560 milhões para US$ 460 milhões. Somente em África, prevê-se que os programas de planeamento familiar custarão mais de US$ 270 milhões neste ano e quase US$ 500 milhões em 2015. “Sem aumentos importantes no financiamento não existe esperança de melhoria”, resumiu Sinding. (IPS/Envolverde) (FIN/2006)

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