Está aqui

Editorial: Verão quente na Saúde

Mudarão as políticas de saúde em Portugal? Não tenhamos grandes ilusões, mais do que mudanças de personalidades, o que conta são as opções políticas. E essas, infelizmente, continuarão idênticas. Editorial de Mário André Macedo.

O Verão de 2022 ficará na história como o “Verão quente da saúde”. Foi dos períodos mais com mais mudanças no setor dos últimos anos. Assistiu-se à demissão da ministra da saúde, à nomeação de uma nova equipa ministerial, à aprovação de um novo estatuto do SNS e à criação e nomeação de uma direção executiva para o Serviço Nacional de Saúde.

Mudarão as políticas de saúde em Portugal? Não tenhamos grandes ilusões, mais do que mudanças de personalidades, o que conta são as opções políticas. E essas, infelizmente, continuarão idênticas.

A direção executiva tem o mérito de promover a separação entre a coordenação política e a gestão operacional das diferentes unidades de saúde do SNS. A pandemia demonstrou a enorme lacuna na coordenação da resposta assistencial, especialmente durante os períodos mais críticos onde a disponibilidade escasseava, pelo que esta função é importante e necessária.

No entanto, esta opção acarreta perigos reais de curto e médio prazo. Por um lado, com a perda de influência das regiões de saúde, assistimos a uma desaconselhável centralização dos níveis de decisão em saúde. Precisamente ao contrário da evolução que pretendemos para o Serviço Nacional de Saúde, ao invés de um serviço próximo do cidadão, teremos uma estrutura afastada das comunidades. Por outro lado, o Estatuto do SNS deixa claro que compete ao Ministério das Finanças o comando final das decisões em saúde. A autonomia será curta, tanto para a direção executiva, como para as instituições.

Esta curta autonomia terá reflexos na forma de gerir e planear os recursos humanos em Saúde. Não se encontra definida uma forma de garantir a contratação dos profissionais necessários, nem a quem compete o planeamento das necessidades formativas. Relembro que o tempo de formação de novos profissionais especialistas e a sua curva de aprendizagem são bastante longos. O planeamento é obrigatório e tem de ter uma visão de longo prazo. Neste capítulo, assistiremos a confusão e sobreposição de papéis aquando das negociações com os sindicatos. A direção executiva irá negociar, mas a palavra final caberá ao ministério. Quem participa nas reuniões será apenas um emissário sem real poder de decisão, mas que arcará com as responsabilidades de todos os infortúnios que ocorram no setor.

É importante focarmo-nos menos no novo ministro de Saúde e na estrutura que o acompanha, e mais nas necessidades de saúde e de infraestrutura que há muito se encontram por satisfazer. Não existem homens e mulheres providenciais, existe contexto e pressão política e popular para defender a saúde de todos, envolvendo todos e excluindo ninguém. Neste capítulo, é normal haver desconfiança. Os últimos orçamentos têm ficado aquém das expectativas. Entre cativações e pouca ambição, o necessário e urgente vai ficando pelo caminho. É urgente recuperar dos anos sem investimento, criar condições para reter profissionais e melhorar a equidade do financiamento dos cuidados de saúde.

Regresso ao perigo da centralização para terminar com um exemplo. Há cerca de 500 milhões de euros no PRR para investir nos Cuidados de Saúde Primários, obrigatoriamente em equipamentos e infraestrutura. Com a perda de influência das ARS, caberá à direção executiva central a microgestão deste investimento, ao invés de grupos de trabalho regionais, mais próximos do cidadão e melhores conhecedores das realidades locais. A excessiva centralização também atrasará a execução dos fundos, colocando em causa o cumprimento dos prazos.

Um SNS moderno, democrático e universal precisa do empenho de todas e todos nós. A resposta ao orçamento do Estado para 2023 é um novo capítulo na longa luta por uma saúde acessível e equitativa para todos.

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro especialista em saúde infantil e mestre em saúde pública.
(...)

Esquerda Saúde 3

Já saiu a revista Esquerda Saúde nº 3

17 de Novembro 2023

A edição de novembro de 2022 já está disponível online. Em destaque, a crise do SNS e a falta de respostas do Governo. Leia aqui a revista em formato pdf.

Editorial: Verão quente na Saúde

17 de Novembro 2022

Mudarão as políticas de saúde em Portugal? Não tenhamos grandes ilusões, mais do que mudanças de personalidades, o que conta são as opções políticas. E essas, infelizmente, continuarão idênticas. Editorial de Mário André Macedo.

Negociações sindicais no congelador, enfermagem fora do Orçamento

17 de Novembro 2022

O OE 23 pretende remunerar as primeiras 150 horas extras ao valor atual, apenas majorando após atingir esta marca. Ou seja, os enfermeiros terão de trabalhar 1 mês extra, antes de serem devidamente pagos pelo valor do seu trabalho. Artigo de Luís Mós.

 

A crise do SNS não é um fenómeno estival

17 de Novembro 2022

Foi badalado até à exaustão o fecho de maternidades, as transferências de grávidas, as mortes de mães e de bebés, que produziram suculentas manchetes. Poucas vezes se foi ao fundo da questão e se expôs a verdadeira razão e dimensão dos problemas. Artigo de Tânia Russo.

A minha história de enfermeira na Bélgica

17 de Novembro 2022

Ser independente, ter condições de trabalho vantajosas e possibilidade de progressão na carreira; estas foram as razões pelas quais emigrei para a Bélgica. Após nove anos, ainda cá estou, satisfeita. Esta é a minha história. Artigo de Maria Ribeiro.

Os TSDT e a eterna injustiça na saúde

17 de Novembro 2022

O nosso trabalho vale pouco para quem manda. Quem se senta durante o dia em frente ao Excel, não percebe o valor de trabalhar noite dentro a semear hemoculturas, efetuar uma TAC a um doente com AVC ou realizar um ECG numa sala de reanimação. Artigo de Eloísa Gonçalves Macedo

 

O SNS e os TSDT: o que aconteceu?

17 de Novembro 2022

O valor das profissões que a carreira de Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica abrange é incalculável para a qualidade de vida dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Artigo de Nuno Malafaia.

Ensino médico: da academia à enfermaria

17 de Novembro 2022

Embora nos encontremos num período de inovação e experimentação alargada no ensino médico, onde a voz estudantil parece contar um pouco mais do que há alguns anos, os métodos de avaliação continuam a insistir de modo arcaico no exame de escolha múltipla ou no conjunto de frequências compostas por questões da mesma tipologia. Artigo de Pedro Vilão Silva.

 

Valorização da enfermagem é mais eficiência no SNS

17 de Novembro 2022

A situação global dos Enfermeiros/as é o espelho que reflete o estado da Saúde no nosso país: desinvestida, desmembrada e desmotivada. Artigo de Fernanda Lopes.

 

Desafios para a Gestão do Serviço Nacional de Saúde

17 de Novembro 2022

Os contratos programa devem ser divulgados por todos os profissionais da unidade de saúde para que se sintam envolvidos, para que saibam quais as metas a atingir, quais as estratégias a adoptar e que variáveis- métricas devem ser elencadas para avaliar a qualidade de cuidados prestados. Artigo de Gisela Almeida.

 

Saúde nos Açores, para além do limite

17 de Novembro 2022

Só em maio deste ano, a afluência ao Hospital de Ponta Delgada bateu recordes, com 1.300 pessoas a recorrerem àquela valência em três dias. Artigo de Jessica Pacheco.

O que se passa com os serviços de urgência

4 de Setembro 2022

Não há praticamente nenhum programa de governo para a saúde que não reconheça que há um problema nas urgências. No entanto, aqui estamos, com problemas semelhantes nos serviços de urgência ao longo dos últimos 40 anos. Artigo de Mário André Macedo.