Criptomoedas: Do autoritarismo libertário à privatização da moeda

Entre a vertigem especulativa e um mundo descentralizado, a ausência de regulação onde todo o mundo é uma offshore e regressões sociais e anti-democráticas, as tecnologias blockchain e distributed ledgers vieram para ficar. Dossier organizado por Tiago Ivo Cruz.

11 de December 2021 - 17:29
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Como melhor definir um libertário? São o equivalente a um gato: absolutamente convencidos da sua independência e absolutamente dependentes de um sistema que não apreciam nem compreendem. A viagem do Satoshi parece dar vida à metáfora, onde projetos de recriar uma sociedade livre do mundo sob a liderança de crianças adultas falha previsivelmente à menor exigência de responsabilidade depois de vários milhões de dólares gastos (através de criptomoedas, claro).

Bancos Centrais por todo o mundo discutem a criação de moedas digitais nacionais, que possam competir com a crescente popularidade das criptomoedas e substituir o uso físico de dinheiro. A urgência em adaptar o sistema monetário à mais recente inovação do sistema financeiro poderá aumentar ainda mais o poder dos interesses privados na esfera pública, escreve Izaura Solipa.

Atualmente com um valor nocional de cerca de 3 biliões de dólares, o mercado de criptomoedas está dominado por Bitcoins, mas esta está longe de ser o seu futuro e nem a especulação financeira define a sua razão de ser. Com um potencial anti-democrático explosivo, a tecnologia veio para ficar, provavelmente, e é bom percebermos porquê.

Existem dezenas de milhares de criptomoedas que qualquer pessoa pode adquirir, ou criar, através do seu telemóvel. Destas, alguns milhares estão disponíveis em mercados especulativos, algumas centenas têm utilidade teórica e algumas dezenas ou menos têm utilização comprovada. O seu potencial e alcance não passa pela sua utilização enquanto moedas privadas, mas sim enquanto redes de funcionamento de consensualização e gestão de informação. Sistemas como o SWIFT ou a própria VISA serão substituídos por dentro de poucos anos porque simplesmente não têm a capacidade de confirmar transações com o volume, velocidade e eficácia energética que as mais recentes ledgers permitem alcançar.

“A ideia de um sistema anacrónico e ultrapassado, que beneficia estruturas de riqueza em vez de beneficiar a economia, poder ser reproduzido através de uma moeda privada sem um Estado, quando já sabemos que quem faz a mineração são poucas centenas de pessoas na China e na Rússia, parece-me uma distopia sem sentido”, explica Mariana Mortágua em entrevista ao Esquerda.net.

Sobre os projetos de Zuckerberg para a criação de uma criptomoeda nativa ao Facebook, Francisco Louçã alerta que “o capitalismo puro não quer só privatizar os bens públicos, quer dirigir os sonhos individuais. Zuckerberg é o que está mais próximo da distopia de criar um mercado total”.

Essa vontade confirma-se com os Non Fungible Tokens, conhecidos por NFTs, através dos quais, “ao contrário das edições limitadas físicas (como as serigrafias), quem compra NFT apenas leva para casa o talão de compra e uma fotografia do original”, explica Ricardo Lafuente.

O Dossier fecha com um caso prático onde um país e um povo são utilizados como cobaias para experiências com criptomoedas.

Os defensores de um sistema financeiro livre da intromissão governamental através de criptomoedas têm em El Salvador o primeiro teste de algodão. E ele está sujo. Hidroelétricas de capitais públicos, empresas privadas sem capitais privados, administradores nomeados diretamente pelo Presidente Bukele e centenas de milhões de dólares em fundos públicos de El Salvador utilizados para comprar Bitcoin. O sistema financeiro de El Salvador foi praticamente entregue a uma empresa privada. A quem pertence e quem administra a Chivo? E quem detém as Bitcoin compradas com dinheiro público?

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