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Transformar o SNS, a agenda de um encontro à esquerda
Realizou-se a 21 de Maio o Encontro Nacional Sobre Saúde do Bloco de Esquerda, em Lisboa. Estiveram presentes profissionais de diferentes áreas e diferentes locais do país, assim como utentes, juristas, economistas e dirigentes sindicais, para discutir o estado atual e o futuro do Serviço Nacional de Saúde. Organizaram-se três debates ao longo do dia: um primeiro em que se discutiram propostas para o SNS no século XXI, um segundo debate sobre cuidados primários de saúde e um último sobre as carreiras de profissionais de saúde.
No encontro esteve presente Catarina Martins, que o encerrou, salientando a importância de um serviço público, colocada em evidência durante a pandemia. A Coordenadora do Bloco de Esquerda destacou a Saúde Oral como exemplo de que, onde o SNS não chega, os privados também não asseguram, mantendo o acesso restrito a quem tem recursos financeiros.
Foram vários os contributos para o debate, destacamos aqui algumas breves passagens de cada um.
Isabel do Carmo, médica endocrinologista e ativista. O movimento “Estamos do Lado da Solução” tem avançado com propostas na área da digitalização do SNS. A pulverização de sistemas informáticos no SNS, tem resultado na redundância e duplicação de exames complementares e no perigo da sobreposição de tratamentos. Esta redundância beneficia os prestadores privados, que veem a sua receita aumentada pela repetição de exames. Um Processo Clínico Digital Único permitiria ultrapassar estas dificuldades a partir da comunicação entre os vários sistemas atuais.
Julian Perelman, economista na área da saúde. A desigualdade é fonte de problemas de saúde. Durante a pandemia da Covid-19, em Portugal, o risco de infeção era três vezes superior nos 20% mais pobres e o risco de morte também era superior. Uma tendência semelhante está também identificada em relação ao risco de diabetes e cardiovascular. Pensar a saúde de uma comunidade é também pensar em educação, habitação, escolas, saneamento. A suborçamentação, opção dos últimos governos, a par da falta de autonomia na gestão, desresponsabiliza os gestores intermédios e resulta numa excessiva centralização das decisões em saúde. O setor privado da saúde tem tido, nas últimas décadas, um crescimento sustentado à custa de financiamento público – cerca de 30% dos lucros do privado são rendas pagas pelo Estado por serviços que o SNS não consegue realizar. Não existem dados públicos sobre os resultados em Saúde registados no setor privado, a regulação neste setor é fraca, ao invés do SNS, que publica os seus resultados e é avaliado de forma constante.
Carla Barbosa, jurista. A proximidade é a característica fundamental do SNS, a falta de equidade geográfica e orçamental continua no centro dos problemas do SNS.
Constantino Sakellarides, médico de Saúde Pública, antigo Diretor-Geral da Saúde. O SNS necessita de mais recursos humanos e financeiros, mas isso, por si só, não basta para transformar o SNS. Transformar o SNS implica recensear as necessidades de saúde da população, gerir de forma eficaz o percurso dos utentes no SNS, criar novos modelos de governação, com enfoque na gestão da informação e conhecimento, garantir um plano de investimentos plurianual. O SNS deve passar a ter um dispositivo de análise, planeamento e direção estratégica.
João Rodrigues, médico de família e membro do grupo para a reforma dos cuidados primários. Os cuidados primários enfrentam desafios, entre eles a falta de médicos de família. A dedicação exclusiva deve ser promovida no SNS e ser um regime de trabalho em equipa e não individual, de acordo com os objetivos definidos para cada unidade.
Teresa Gago, médica dentista. Um terço da população tem falta significativa de dentes, somos o país europeu com maior desigualdade de acesso à saúde oral em função da situação económico-social. Existem apenas 118 dentistas no SNS, ao passo que no privado estão 9000 dentistas. Apenas 17% dos dentistas com menos de 35 anos têm contrato de trabalho e 90% dos dentistas a trabalhar no SNS estão a recibos verdes.
Alexandre Tomaz, diretor executivo do ACES Almada-Seixal. A Saúde é um equilíbrio dependente de ações intersetoriais e a intervenção na condição de vida das pessoas, aos mais variados níveis é uma forma de intervenção em saúde.
Manuela Silva, psiquiatra no Hospital de Santa Maria. A alta prevalência de doença mental em Portugal – 22% da população em 2021, um aumento de 50% nos últimos 25 anos. Na saúde mental, a articulação entre cuidados primários e serviço diferenciado assegura a continuidade de cuidados.
Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. É difícil o acesso à carreira dos enfermeiros e permanecem obstáculos à generalização dos contratos de trabalho. Os enfermeiros pagam para poderem ser especialistas. No entanto, a essa categoria não corresponde um acréscimo salarial ou uma progressão na carreira. Existem quotas para especialistas nos serviços, o que deixa os enfermeiros mais jovens sem perspectivas de evolução na carreira. A exaustão dos enfermeiros e os problemas de saúde mental entre enfermeiros estão em níveis sem precedentes.
João Proença, médico e presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul. A empresarialização dos hospitais teve impacto nos contratos de trabalho dos médicos e fomentou a desigualdade salarial dentro dos serviços de saúde, contribuindo para a desestruturação das equipas no SNS.
Rogério Pedro, assistente operacional. É um perigo a não existência de uma carreira própria para os assistentes operacionais, permitindo a contratação de profissionais não treinados para os serviços de saúde. Os Assistentes Operacionais foram o grupo profissional com mais infecções e mortes por Covid-19. Paralelamente, estes profissionais observaram uma importante perda de rendimento ao longo da última década, estando a maioria a receber o salário mínimo nacional.
Esquerda Saúde 2
Revista Esquerda Saúde nº2
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