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Acesso e direito à saúde
A evolução ao nível científico-tecnológico veio viabilizar a descoberta e desenvolvimento de muitas práticas utilizadas hoje que permitem um domínio das ciências da vida, o qual seria impensável. A par desta evolução, a sociedade é inundada de novos fatores que acarretam a maximização da troca de informação, abastecendo os indivíduos de novas ferramentas, que permitem uma maior comunicação e um incremento de conhecimento. Contudo, esta evolução, que foi e é sem dúvida importante para a sociedade, promove o aparecimento de novas problemáticas, colocando em causa algumas fronteiras que nos indicam o caminho eticamente correto no domínio das ciências. Neste sentido, é pertinente analisar o jogo entre os interesses do desenvolvimento na área da saúde e a importância dos direitos fundamentais do indivíduo, suscitando uma discussão sobre princípios da bioética e deveres deontológicos, inseridos numa sociedade exigente e moderna.
O referido contexto bioético reclama um estudo inter ou transdisciplinar – com as respetivas dificuldades - que se orienta para a fixação de diretrizes que se destinem a proteger os direitos fundamentais – e, numa perspectiva internacional, mesmo dos direitos do homem - e a dignidade do ser humano que lhes serve de fundamento, impondo-se princípios como os da beneficência e da não-maleficência.
No atual panorama da medicina, é notável a urgência pelos aspetos tecnológicos, sempre com o objetivo incessante de curar ou de prolongar a vida, sendo a morte do indivíduo assumida como uma derrota. E, desta forma, fica frequentemente remetido para segundo plano o treino do controlo da dor e de outros sintomas, a revisão sobreposta de outros direitos. São a Autonomia, a Informação, a Liberdade de Escolha, a Privacidade, a Não-Discriminação e Não-Estigmatização, alguns exemplos dos direitos usualmente reconhecidos aos indivíduos em situação de doença. É certo que o indivíduo em situação de doença usufrui dos seus direitos enquanto paciente, quando reconhecido como pessoa que efetivamente sofre de um problema de saúde e necessita de cuidados. Torna-se, portanto, indissociável desta lógica, a garantia do acesso à saúde, como garantia do direito à saúde. Na nossa sociedade, essa garantia permanece sustentada pelo SNS, onde as portas estão sempre abertas para todos e todas, todos os dias, em todas as ocasiões, mesmo depois de exposto, durante décadas, à pressão dos grupos privados.
O lóbi dos grupos económicos levou a uma lei de bases e a um estatuto do SNS nos anos 90, que obrigavam o Estado a pagar pelos serviços privados através de verba pública, a estimular o negócio privado da saúde, a permitir a migração dos seus profissionais e a difundir os seguros de saúde privados, fragilizando a igualdade no acesso aos cuidados de saúde e ameaçando o próprio ao direito à saúde. Todavia, assente sobre o seu cariz público e universal e dada a grande resiliência dos seus profissionais, o SNS sobreviveu aos ataques políticos, aos vários cortes, aos gigantes desvios orçamentais para o sector privado e até à derradeira pressão pandémica.
Todos estes apports revelam um caminho rumo à humanização da saúde, demostrando que o SNS é realmente a única forma de defender a saúde da população e desta forma garantir os direitos fundamentais dos indivíduos. É inegável que o SNS é o garante para a saúde da sociedade e para a real concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, sem o qual aquele não pode ser considerado, através dos cuidados que proporciona, dos resultados que apresenta, mas também dando o exemplo através da sua fundamentação em princípios éticos, intervenção multidisciplinar e foco de ação voltado para o doente e não para uma cura, que nem sempre – infelizmente – é possível.
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