A recente notícia de que falta dinheiro na Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para pagar bolsas de investigação e salários não é novidade para quem acompanha o sucessivo subfinanciamento e a constante suborçamentação da FCT, a principal financiadora da ciência em Portugal. Não é a exceção, mas a regra bem conhecida por quem é diretamente afetado por esta situação: cientistas e investigadores em situação precária, que vivem na incerteza e insegurança laboral e financeira, com repercussões na condução da sua vida pessoal. A constante falta de financiamento tem também prejudicado a continuidade dos projetos científicos e o normal funcionamento dos centros de investigação e, ao longo do tempo, muitos investigadores têm sido forçados a abandonar a ciência ou o país em busca de melhores condições. Esta fuga de cérebros é um problema que a direita denuncia na oposição, mas que agora parece convenientemente esquecer.
O cenário descrito, com um défice de quase 100 milhões de euros, é mais uma peça de um puzzle que parece não se resolver nunca. O governo atual, liderado por Luís Montenegro, faz a acusação de incompetência e má gestão por parte do governo anterior, o que é uma manobra política previsível. O governo de António Costa, de facto, não garantiu o financiamento necessário. Em 2022, por exemplo, a FCT recebeu três reforços orçamentais no último trimestre, totalizando quase 116 milhões de euros. Estes reforços são apresentados como soluções paliativas de última hora para um problema recorrente e estrutural, que poderia ser evitado com um planeamento e financiamento adequados desde o início.
É necessário um compromisso sério e continuado com o financiamento adequado das atividades de investigação e com os salários dos cientistas
Os aumentos pouco significativos no orçamento da FCT - com 675,1 milhões de euros para 2024, ligeiramente superior aos 658,1 milhões de 2023 – revelam uma estratégia continuada do poucochinho para a ciência. São valores que não evidenciam uma aposta no papel da ciência e da investigação na sociedade portuguesa, e nem sequer se afiguram como suficientes para cobrir os compromissos assumidos. Isto leva a uma dívida acumulada que se arrasta de ano para ano, como uma bola de neve.
Mas o estilo político Calimero adotado pelo atual governo sobre a herança pesada na FCT é uma tática que pode preparar o terreno para mais cortes. Desde há muito que se ouve o mesmo refrão e esta retórica não passa de um disco riscado que se repete a cada mudança de governo, mascarando que a ciência e os seus quadros em Portugal continuam a ser tratados como parentes pobres. A direita, em particular, tem dado sinais de uma visão da ciência, sobretudo a fundamental, como um gasto a eliminar tendencialmente, e estas situações de crise orçamental são usadas como pretexto para cortar ainda mais nas verbas destinadas à investigação. Este é um jogo político pouco honesto, onde se fabricam "casos" para desviar a atenção da questão de fundo: a investigação científica em Portugal nunca constituiu verdadeiramente uma prioridade.
É necessário um compromisso sério e continuado com o financiamento adequado das atividades de investigação e com os salários dos cientistas. Chega de desculpas e de políticas de remendo. Só assim poderemos garantir um futuro onde a ciência e a inovação ocupem o lugar que merecem na construção de um país mais desenvolvido e justo tendo como horizonte uma vida boa.
