Engana-se, não se engana, engana-nos. O malmequer do FMI deixa-nos sempre a pétala mais amarga e parece obedecer à estratégia clássica das instituições dominantes: um lado diurno e um lado noturno, o polícia bom e o polícia mau. Christine Lagarde admite publicamente o erro nos “multiplicadores” de austeridade. O FMI reconhece os seus lapsos, clama a francesa indiciada por corrupção. Mas, de uma assentada, reitera que o programa de destruição de Portugal e da Grécia não teria sofrido alterações substanciais, mesmo com cálculos diferentes. A questão é ideológica e o FMI não existe propriamente para homenagear o rigor técnico.
O governo português, à sua escala, faz o mesmo. Ultimamente a tática de Paulo Portas conquistou Moedas e Passos Coelho, encenando-se a resistência retórica à troika e à política de baixos salários. Entretanto, os números mostram a perda salarial acumulada e o regresso a níveis de vida próximos de 2004. Uma década perdida. Portugal será o único país do resgate a acabar o “ajustamento” com menos população. A sangria supera mesmo o ritmo de saída dos anos sessenta e mais de metade dos jovens considera emigrar. A base fiscal torna-se cada vez mais apertada e os frágeis alicerces demográficos comprometem o futuro, apesar do pequeno alívio artificial nos números do desemprego, precisamente devido à saída de ativos e de alguma contratação a baixíssimos custos.
A mentalidade low cost instala-se como inevitabilidade: salários low cost e vidas low cost revelam a raiz do capital na sua brutalidade. Por mais que tentem mascarar o indisfarçável, a desvalorização do trabalho (e das vidas) é a receita do FMI e do governo.