Venezuela – A importância de estar no lado certo da história

porIrina Castro

16 de agosto 2017 - 23:23
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Muito se tem escrito nas manchetes da imprensa internacional sobre a Venezuela e o seu presidente Nicolás Maduro.

Por cá, o discurso faz eco da narrativa mainstream sobre a crise venezuelana e aquela a que os jornais apelidam da “ditadura da revolução bolivariana”. Há, no entanto, um outro lado nesta história que por vezes até surge na mesma imprensa, apesar de forma oculta, tímida ou até mesmo com o objetivo de a descredibilizar. Não nos enganemos, o ênfase que hoje se coloca nas tentativas de criar uma opinião pública internacional sobre a falta de democracia do governo de Maduro, e as sucessivas tentativas de o associar a uma ditadura de esquerda, acontecem porque a imprensa mainstream não é imparcial ao processo político, mas cúmplice de uma oposição cujo objetivo é um e só um, a do golpe de estado.

Enquanto a imprensa tenta transmitir a falsa ideia que na Venezuela estamos perante um regime violento e uma ditadura de esquerda, a oposição de direita e extrema-direita é pintada nas mesmas notícias como as vítimas desse suposto regime ditatorial sem que com isso se análise e reflita sobre o caráter fascista e golpista da oposição encabeçada pela coligação da Mesa de la Unidad (MUD). Enquanto a imprensa apresenta números gerais de vítimas dos conflitos em manifestações sem os confirmar, oculta-se a realidade das mortes maioritariamente resultantes de episódios de violência instigados e executados por forças paramilitares organizadas pela direita, cujo objetivo é o da intimidação do povo venezuelano que hoje ainda apoia o processo da revolução bolivariana.

Há por isso muito ainda a dizer e a escrever sobre a Venezuela, mas à esquerda necessitamos de um ponto de partida comum, e esse é o reconhecer que hoje a crise venezuelana a que assistimos é orquestrada por uma oposição de oligarcas golpistas que vêm desde 2002 a organizar forças reacionárias e contrarrevolucionárias no país.

Importa ainda que tenhamos claro para nós que o que se joga na Venezuela ultrapassa as suas próprias fronteiras. Sabemos, desde a eleição de Hugo Chavéz, que a Venezuela se tornou um problema para as oligarquias latino americanas aliadas do imperialismo dos Estado Unidos da América. Isto porque, as alianças de esquerda que surgiram com Chavéz, Lula, Fidel, Morales e Kirchner, cujo objetivo tinham de democratizar a distribuição da riqueza dos seus países, e que procuraram recuperar a esperança para tantos milhões de povos, ameaçaram os privilégios de uma minoria oligarca e os petró-interesses dos Estados Unidos da América ao gritarem “fuera con los yankees”.

É esta esperança que se joga hoje na américa latina.

O fim da esperança

Se ainda não estão convencidas sobre quem hoje constitui a maioria da oposição a Maduro na Venezuela, e menos ainda sobre o seu caráter golpista, há que relembrar quem são na história esta oposição. É a mesma que em conjunto com media privados e sectores ultra conservadores da igreja católica e do exército orquestraram o golpe de estado contra Chavéz em 2002. Um golpe onde a imprensa venezuelana privada e internacional teve um papel determinante (e aliás gabarolado) no sucesso dos oligarcas golpistas representados por Pedro Carmona. A RCTV, Globovisión, entre outros dos vários grupos privados noticiosos da Venezuela foram centrais no golpe ao promoverem ativas campanhas de desinformação e contrainformação sobre o governo chavista. Após a morte de Chavéz, os golpistas entraram novamente em ação na Venezuela com um fino plano que tem vindo a ser testado e implementado em vários países da América Latina, mais recentemente no Brasil com a destituição ilegítima da presidenta democraticamente eleita Dilma Roussef, e anteriormente posto em marcha nas Honduras e no Paraguai. Um golpe pseudo-institucional, desenhado por poderes jurídicos/legislativos corruptos sequestrados pela direita, e extrema-direita, que usam estes espaços com a estratégia de bloquear a ação política e a transformação social, e provocar uma destituição (Impeachment) maquinada. Não se enganem no entanto ao achar que esta via é de alguma forma democrática, ou até mesmo que os intentos golpistas se circunscrevem hoje a estas farsas. Porque se os meios institucionais não o permitirem, e na Venezuela Maduro aprendeu com os golpes que o antecederam, a oposição e seus aliados, estão preparados para o enfrentamento violento que leve a população ao esgotamento.

Não nos enganemos, a realidade Venezuelana neste momento é a de um golpe de estado promovido pelas forças oligarcas translatino-americanas com o desígnio imperialista dos Estado Unidos da América e o apoio da União Europeia, em particular de governos de direita como o de Rajoy. O fim da revolução bolivariana pelas mãos das oposições de Leopoldo Lopéz ou José Luis Cartaya são matar a esperança na América Latina para milhões de povos indígenas, camponesas e trabalhadoras. É o esmagar da esperança pós-colonial e o atirar de povos para o lado mais agressivo do capitalismo, o predatório extractivista fascista que os explorou e torturou durante muitos anos com o apoio imperial dos Estados Unidos da América e dos ex-colonos.

É importante por isso que a esquerda mundial não reproduza os mesmos discursos, nos mesmos termos, que os golpistas venezuelanos ao tecerem críticas a Maduro. Sim, porque nesta opinião não se trata de defender Maduro, ou Chavéz já agora. Trata-se de resistir e combater a ascensão de uma ditadura moderna disfarçada de oposição democrática. Os erros cometidos por Maduro são tão numerosos como injustificáveis, mas não podemos cometer o erro de os comparar, ou até os confundir, com a natureza do capitalismo que nos trouxe a esta crise. Confundir as diferentes naturezas dos problemas é legitimar o golpismo latino-americano.

Toda a crítica de esquerda a Maduro tem de ser feita pela esquerda e respeitando os valores que esta mesma esquerda defende, o da liberdade, democracia e autodeterminação dos povos. Devemos por isso defender que o futuro da Venezuela ao povo venezuelano pertence, sem mandatos imperiais ou intervenções externas. Chega de governos imperialistas que financiam e apoiam oligarquias nacionais fascistas a organizar golpes e a gerir ditaduras na região. Que se recupere a memória da história da América Latina, e que se escolha hoje estar no lado certo dessa mesma história. Se a oposição que a imprensa internacional hoje tanto protege é bem-sucedida, a crítica oportunista de esquerda que hoje afirma que não há democracia na Venezuela não saberá o que chamar ao que aí vem.

Irina Castro
Sobre o/a autor(a)

Irina Castro

Estudante de Doutoramento em Governação, Conhecimento e Inovação CES/FEUC.
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