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Uma nova maioria: esperança sem euforia

Se há coisa que a nova maioria parlamentar não pode esquecer no futuro é que a sua grande arma é o cumprimento do seu programa.

O anúncio da indigitação de António Costa como Primeiro-Ministro, depois de um longo mês de indefinições, pôs fim à impaciência que a maioria dos portugueses já começava a evidenciar com o arrastar deste processo e deu lugar a um clima de esperança em relação ao futuro. O Bloco, um dos partidos que suportará, no Parlamento, o futuro governo do PS, deve criar condições para que, na prática, essa esperança se alimente e reforce, mas sem entrar em euforias. Sem reservas mentais e sem calculismos, devemos ter a perfeita noção que o futuro, imediato e o mais distante, estará repleto de dificuldades. Desde logo as advenientes da integração de Portugal na União Europeia, desta Europa de partido único, o Partido Popular Europeu, que, como vimos na Grécia, reage com brutalidade a qualquer afronta que lhe seja feita no plano político e institucional. No plano interno, os adversários, à direita e alguns (poucos) à esquerda (quer os que apoiam, com reserva mental, esta decisão de PS, PCP, PEV e Bloco de Esquerda, quer os que salivam pelo mínimo problema para disseminarem a naftalina das suas bandeirinhas), as dificuldades não serão menores. PSD e CDS, em especial, enraivecidos, ressabiados e, a cada dia que passa, mais certos da justeza do seu fanatismo, munir-se-ão de todos os instrumentos dilatórios, de sabotagem e de envenenamento da opinião pública que têm ao seu dispor (e são muitos) para criar problemas, promover instabilidade e potenciar contradições no campo da maioria parlamentar.

Para responder a essas dificuldades, as internas e as europeias, vão ser necessários nervos de aço, relações de confiança política sólidas e consistentes e uma grande dose de coragem para enfrentar um adversário tão forte como é a direita (nacional e europeia), não só pelo poder (político, mediático, financeiro e económico) que dispõe, mas, sobretudo, pela forma concertada e disciplinada com que atua sempre.

Mas se há coisa que a nova maioria parlamentar não pode esquecer no futuro é que a sua grande arma, o seu grande trunfo, a sua condição de subsistência elementar é o cumprimento, sem hesitações, do seu programa. Por mais histérico que se mostre o adversário, por mais manipulações, expedientes dilatórios e provocatórios que se sirva, os portugueses e as portuguesas saberão de que lado se posicionar quando sentirem na pele os efeitos da recuperação de salários, pensões, bolsas de estudo, abonos de família, etc., quando se dirigirem a um centro de saúde, a uma escola pública ou a um tribunal e os serviços aí prestados forem de qualidade e a todos acessíveis, quando os locais de trabalho deixarem de ser locais de medo e resignação, porque as leis do trabalho estão do lado da maioria, dos que produzem riqueza, de quem trabalha.

Não é possível virar o tabuleiro, inverter a relação de forças social (depois da política, que as últimas eleições expressaram) e com ela prosseguir uma política de progresso e justiça social, sem o apoio e o suporte daqueles em nome e em defesa de quem se pretende governar. Se Merkel, em Berlim, ou Marcelo, se chegar a Belém, sentirem que por detrás dos 122 deputados e deputadas que compõem a nova maioria parlamentar, está a maioria do povo português, que se revê e que luta pelo cumprimento dos acordos políticos firmados entre os partidos de esquerda, talvez pensem duas vezes antes de iniciarem o processo de derrube deste novo governo, que, antes de ser formado, já se quis derrubado. Ou então talvez não hesitem e tentem na mesma, como fizeram na Grécia. Aí a nossa resposta deve ser tão implacável como o seu autoritarismo. Seja como for, esta experiência terá valido a pena se, no dia em que este novo governo cessar funções, a maioria da população tiver percebido que, de facto, é possível fazer diferente, que o futuro, enquanto direito, não é só "folha de papel", que é um direito, mais do que todos os outros, que só faz sentido se for exercido.

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