Numa altura em que vamos, novamente, a eleições legislativas, desta vez num contexto internacional, e, porque não dizê-lo frontalmente, também nacional, ainda mais perigoso e castrador de direitos fundamentais e basilares, urge, enquanto esquerda, preparar, sustentar e manter o nosso futuro com lutas que já nos vêm do passado.
Por mais que nos pareça paradoxal, o certo é que a importância das questões emancipatórias da luta por uma sociedade mais justa, mais democrática e mais igual e que têm sido, ao longo dos tempos, basilares numa esquerda que se preocupa com as pessoas, revestem-se agora, e nos tempos futuros, de uma importância extrema. Isto quando internacionalmente nos deparamos com o castramento dos direitos fundamentais, o que se alastra ao nosso panorama nacional com a ajuda do governo de direita, que esperamos rapidamente deixe de o ser.
Vejamos, como exemplo, o país que se está a tornar os Estados Unidos da América (EUA), com a vertigem de decretos que limitam direitos fundamentais à autodeterminação do ser humano. O certo é que, a única forma de podermos combater essas limitações impostas, é assumir de uma vez por todas que os EUA se estão a dirigir para uma autocracia neoliberal, em que a Intolerância, o preconceito e o fanatismo religioso, estão a ser a base para aquele que será, se se mantiveram as coisas, o mais ditatorial dos estados, com as consequentes violações dos mais elementares direitos humanos. No entanto, a Europa e os restantes estados democráticos, maioritariamente de matriz neoliberal, vão assobiando para o lado e, ao invés de colocarem como prioridade o término dessa limitação de direitos como a sua maior preocupação, focam-se na economia dos privados, nos mecanismos de aumento dos lucros, no rentismo, no belicismo e na corrida ao armamento.
Assim, movimentos político-sociais como o feminismo, o antirracismo, a defesa das pessoas com deficiência, de direitos LGBTQIA+ e pelo direito à habitação, não são apenas lutas de minorias e lutas antigas e ultrapassadas. São cada vez mais lutas do agora, lutas de cidadania plena e de participação igual para toda a gente. São pilares aglutinadores de sociedades verdadeiramente democráticas, onde cada pessoa tem direito a uma vida digna, livre de discriminação e de exclusão, e onde a esquerda deve ter um papel principal.
É sobre estes pilares que me vou debruçar sucintamente, sem qualquer ordem de importância, nos parágrafos seguintes.
1.º Pilar - Direito à habitação enquanto condição básica para a cidadania
Vivemos, nacional e internacionalmente, uma crise de emergência habitacional. Crise esta que leva a que casais em que as duas pessoas trabalham, vivam na rua ou em tendas; que leva a que os/as mais jovens, especialmente de classes menos favorecidas, não consigam, sozinhos/as, comprar ou arrendar casa; crise que está a alargar cada vez mais a cintura habitacional, afastando as pessoas dos centros das cidades, principalmente as que estão em situação de vulnerabilidade e, mais uma vez, aquelas de classes menos favorecidas.
A crise de emergência habitacional é, assim, um dos maiores desafios sociais que enfrentamos hoje, afetando de forma desproporcional os mais vulneráveis. A habitação não é um luxo, nem sequer é um direito simples, é um direito constitucionalmente previsto (art.º 65º da Constituição da República Portuguesa - CRP) que defende a liberdade, a integridade física e a vida: quem não tem casa não é livre; quem não tem um teto está, diariamente, em risco de ver a sua saúde afetada; quem não tem casa não tem uma verdadeira vida.
Desta forma, esta crise de emergência conduz-nos à precariedade habitacional que empurra milhares para a margem da sociedade, privando-os do direito a um lar seguro e estável. Agravando desigualdades sociais e limitando o acesso ao emprego, educação e participação cidadã.
Defender o direito a uma habitação “de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (art.º 65 da CRP) é garantir que nenhuma pessoa seja excluída da sociedade ou privada de condições básicas para uma vida digna. Sem uma política de habitação justa, não teremos uma real democracia.
2.º Pilar – O feminismo como forma de resistência a favor da igualdade e transformação social
O feminismo lembra-nos, antes e agora, que a desigualdade de género é uma manifestação das estruturas de poder que precisam ser desafiadas e transformadas. As lutas feministas, como as lutas pelos salários iguais, pela justiça reprodutiva, por um ambiente livre de violência de género e pelo reconhecimento do trabalho visível e invisível das mulheres, entre outras, visam garantir uma igualdade de direitos, oportunidades e responsabilidades e não são excludentes, mas sim agregadoras de todas as pessoas, por todas as pessoas, para todas as pessoas.
Com efeito, aquelas são condições essenciais para melhorar a vida não só das mulheres, mas de toda a gente, o que nos conduzirá a uma economia mais justa e uma sociedade mais inclusiva.
Quando a esquerda promove uma verdadeira igualdade de género, abrangente e interseccional, quando é feminista e combate o patriarcado e quando se empenha na ampliação da a participação das mulheres a todos as esferas da sociedade (política, económica, social, entre outras) está a fortalecer a cidadania e a democracia.
3.º Pilar – Antirracismo como base para uma sociedade mais igualitária e justa
A luta antirracista não se limita a condenar atos individuais ou sentimentos de racismo; é uma luta contra as desigualdades estruturais que mantêm as pessoas racializadas afastadas, ou limitadas, de direitos fundamentais como o da habitação, da saúde, da educação, da liberdade e da paz.
Não falando eu de uma experiência vivida, do lugar de fala de quem sofre os horrores diários do racismo, consigo reconhecer facilmente que numa sociedade verdadeiramente democrática não pode haver lugar para exclusão baseada na cor de pele, origem étnica ou local de nascimento.
Uma esquerda que tome para si a luta antirracista está a defender o imperativo democrático de que todos e todas possam participar ativamente, contribuindo assim para uma sociedade mais inclusiva e justa.
4.º Pilar – Defesa das pessoas com deficiência: Uma questão de igualdade e acessibilidade
A inclusão das pessoas com deficiência é um pilar essencial para uma cidadania plena e democrática. Portugal ainda carece de políticas públicas robustas que garantam a acessibilidade e a inclusão efetiva, real e sustentável no mercado de trabalho, na educação e nos espaços públicos. As pessoas com deficiência devem ter os mesmos direitos, oportunidades e responsabilidades, para que possam participar de forma plena e igual na sociedade e ocupar espaços centrais que ainda lhes estão vedados.
Quando a esquerda luta por acessibilidade inteira e absoluta, está a reforçar uma cidadania inclusiva e uma democracia que valoriza cada indivíduo.
5.º Pilar – Luta contra a LGBTQIA+fobia: Direitos e combate ao preconceito
A defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ é essencial para uma sociedade onde cada pessoa possa viver sem medo e sem preconceito. Combater a LGBTQIA+fobia é defender o direito que cada pessoa tem à sua autodeterminação, a ser quem é, no pleno exercício da sua liberdade de identidade e expressão de género, bem como de todas as outras formas de ser e viver.
É também a defesa da segurança, do conforto, da dignidade e da igualdade da sexualidade em todas as suas identidades e expressões.
Uma esquerda plena deve garantir que todas as pessoas se devem sentir protegidas para exercer a sua identidade e participar sem medo de discriminação ou exclusão.
Em conclusão, reforçar o compromisso coletivo da esquerda com estes pilares significa construir uma sociedade que valoriza a diversidade e trabalha para ser verdadeiramente democrática e justa para todas as pessoas, libertando-nos, de uma vez por todas, das amarras deste sistema capitalista e patriarcal que tem como consequências a desigualdade, a violência, a exclusão a opressão.
