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Três ideias para salvar a aprendizagem em tempos de pandemia

Ao invés da preocupação excessiva com a avaliação e os exames, temos de privilegiar o ensino e as aprendizagens efetivas de cada um dos alunos e das alunas. O nosso compromisso para com as nossas crianças e jovens tem de ser total. Ninguém pode ficar para trás.

Começa esta segunda-feira o ensino à distância para todas as crianças e jovens do país. Sou professor de 1.º ciclo, pelo que compreendo bem o desafio que enfrentam os alunos, os professores e os pais. Desejo a todas e a todos muito boa sorte.

Infelizmente, o ministério não preparou convenientemente este ano, que se sabia ser atípico: não há ainda computadores ou internet para todos os alunos que necessitam e não houve formação suficiente para os professores. Terão de ser as comunidades educativas, mais uma vez, a fazer das tripas coração e a inventar soluções. Temos de ser capazes de prevenir situações como o aumento do insucesso escolar e o “desligamento” face à escola por parte de alunos e famílias, registado no anterior confinamento.

Em Lisboa estamos a tentar ajudar as comunidades educativas a prepararem-se para o ensino à distância. Já distribuímos mais de três mil computadores e estamos a distribuir mais de 1900 refeições diárias às crianças e jovens carenciados, num aumento significativo em relação ao primeiro confinamento.

Nada substitui o ensino presencial no processo de ensino-aprendizagem. A pandemia não permitiu o ensino presencial durante a primeira vaga e é expectável o aumento das desigualdades sociais e do insucesso escolar neste segundo confinamento. O ensino à distância que agora volta poderá agudizar estes problemas, mas creio que há três ferramentas que deviam ser usadas para os mitigar.

Em primeiro lugar é necessário que todas as crianças e jovens que estão em risco de não realizarem aprendizagens, apesar da oferta de ensino, possam ir à escola.

As escolas vão funcionar de formas diversas: o ensino não presencial é a regra, mas os filhos dos profissionais da “linha da frente” e as crianças e jovens com necessidades de saúde especiais continuam a ir à escola. A lei prevê mesmo o alargamento do ensino presencial em mais casos, embora sem o operacionalizar. Os professores e as direções das escolas já estão a fazer este trabalho, criança a criança, jovem a jovem. Mas creio que é possível fazer mais.

1. É preciso uma solução de emergência para quem não consegue ter aulas à distância, mesmo que isso passe por receber alunos/as em ensino presencial. Existem crianças e jovens que não estão (formalmente) em risco mas cujas famílias não têm condições para as acompanhar devidamente, seja porque habitem em casas sobrelotadas ou porque não têm condições de os ajudar nas suas aprendizagens (pelos mais variados motivos). Em Lisboa, temos capacidade para receber alunos em situações limite, assegurando as melhores condições de segurança. De igual modo, é indispensável que as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) identifiquem situações de abandono escolar e efetuem o indispensável trabalho junto das famílias e das escolas para que estes alunos e alunas não fiquem entregues à sua sorte.

2. A melhor maneira de manter as escolas seguras é testar, testar, testar. Em setembro, propus que se testasse toda a comunidade educativa e essa proposta foi aprovada na Câmara Municipal Lisboa. Agora, é essencial que se efetive essa política de testes: todos os alunos, professores e pessoal não docente das escolas que se mantêm em ensino presencial têm de ser testados, para que possamos identificar e isolar casos positivos e assim quebrar cadeias de contágio.

3. O ministério tem de preparar desde já a recuperação do tempo perdido. Precisamos de partir do princípio que os impactos disruptivos destes anos letivos atípicos não vão desaparecer miraculosamente no próximo. O ministério tem de preparar, desde já, um plano de mitigação e de recuperação das aprendizagens. Apontando especialmente aos alunos que ficaram mais desfavorecidos, mobilizando práticas e recursos que já se sabe terem mais eficácia, permitindo a redução do número de alunos por turma, reforçando as bibliotecas escolares e os centros de recursos educativos, estabelecendo mais apoios educativos especializados e, sempre que seja considerado adequado, estabelecendo programas sólidos de tutorias.

Ao invés da preocupação excessiva com a avaliação e os exames, temos de privilegiar o ensino e as aprendizagens efetivas de cada um dos alunos e das alunas. A avaliação deve ser instrumental para a melhoria das aprendizagens, identificando as áreas e os conteúdos insuficientemente trabalhados ou que não resultaram em aprendizagens para se corrigirem processos e melhorarem as práticas do ensino.

O nosso compromisso para com as nossas crianças e jovens tem de ser total. Ninguém pode ficar para trás.

Artigo publicado no jornal “Público” a 8 de fevereiro de 2021

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