Tratado

porMiguel Portas

21 de janeiro 2012 - 0:07
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O novo Tratado não resolve nenhum problema. Ele é mais um problema. A sua lógica, como a do Plano de Estabilidade e Crescimento que lhe serve de base, é recessiva.

Os governos decidiram escrever um novo Tratado. O inglês ficou de fora. Cameron escreveu direito por linhas tortas. Ele queria garantir a intocabilidade da bolsa de Londres e por esse motivo decidiu não subscrever um Tratado que, de resto, nem toca no assunto. Sucede que um Tratado a 26 vale menos do que um Tratado a 27 e não pode ser incompatível nem contraditório com a legislação europeia em vigor. Tanto bastaria para que houvesse juízo, mas este é um bem escasso por essa Europa fora.

Perguntas: é preciso um novo Tratado para "estimular a disciplina orçamental, reforçar a coordenação das políticas económicas e melhorar a governação da zona euro", os objetivos anunciados para o novo texto? Vai ele dissipar as nuvens de crise que pairam pela Europa? E a "coisa" vai funcionar?

Primeira resposta: não, não é preciso nenhum novo Tratado para tais objetivos. Os governos e o Parlamento Europeu aprovaram um compacto de regulamentos sobre disciplina orçamental e coordenação económica e têm novos textos em preparação. Deputados de todas as bancadas expressaram as suas reservas sobre esta abordagem à margem das instituições da própria União Europeia. Na verdade, o Tratado só é expressamente necessário para incluir as metas de disciplina orçamental (limites ao défice e à dívida) nas Constituições nacionais ou em leis equivalentes, o que é no mínimo idiota porque as Constituições já reconhecem a superioridade da legislação europeia sobre as leis domésticas. Então porquê esta extravagância? Perguntem à senhora Merkel...

A segunda resposta também é negativa. O novo Tratado não resolve nenhum problema. Ele é mais um problema. A sua lógica, como a do Plano de Estabilidade e Crescimento que lhe serve de base, é recessiva. Para lá do limite de 3 por cento ao défice do Estado, ele inventa um novo conceito, o de "défice estrutural", que é qualquer coisa como aquele défice corrigido dos efeitos que o ciclo económico tem sobre as contas públicas. Há pelo menos 27 fórmulas possíveis de calcular este imaginativo saldo, que o Tratado quer a 0,5 por cento do PIB. Ambos ficarão, portanto, em vigor, afogando os países mais débeis. A esquerda, os verdes e os socialistas já tinham votado contra o pacote da coordenação económica que se referia ao primeiro dos défices. Seria incompreensível que agora dessem luz verde a um Tratado que só trata da disciplina orçamental e se esquece de qualquer disciplina para o investimento.

Finalmente, o esquema não vai funcionar. Hoje, ele envolve o Presidente do Conselho, o presidente da Comissão e o vice-presidente desta para a economia, além das cimeiras a 27, mais o Ecofin e as reuniões do Eurogrupo. Se o novo Tratado for avante juntem no caldeirão mais um presidente, o das novas "cimeiras do euro", e imaginem o que daí vai sair...

Artigo publicado no jornal "Sol" de 20 de janeiro de 2012

Miguel Portas
Sobre o/a autor(a)

Miguel Portas

Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
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