Pela primeira vez em Portugal, a produção de energia fotovoltaica parou por momentos a sua actividade. Com preços de electricidade atingindo até valores negativos, assistiu-se ao fenómeno de “curtailment”. Ou seja, a limitação deliberada da produção. Com tanta electricidade disponível, também oriunda das eólicas e hídrica, não temos, contudo, possibilidade de armazenamento em larga escala. Exceptua-se o armazenamento em algumas das poucas barragens que utilizam o bombeamento para montante, como solução para recuperar energia em períodos com produção hídrica abundante.
Num país que elegeu como estratégia, e bem, o investimento em renováveis para suportar a transição energética e diminuir a dependência energética, a estratégia continua pouco clara e sustentada. No mesmo dia que se observou este excesso de produção solar, a importação de electricidade de Espanha foi mais uma vez necessária, revelando as fraquezas e o desfasamento desta estratégia. É necessário desbloquear e fomentar a discussão sobre o tema do armazenamento de energia, especialmente aquele oriundo de fontes renováveis, como uma das ferramentas para diminuir a dependência e a pobreza energética em Portugal.
De acordo com os modelos científicos mais recentes de previsão da evolução do clima para a península ibérica, as consequências das alterações climáticas irão gerar eventos de seca extrema cada vez mais frequentes e mais prolongados. Nesta situação, o stress hídrico poderá afectar a disponibilidade das barragens em manter esta forma de armazenamento de excesso de produção eléctrica. A esta realidade soma-se a variabilidade da produção de energia solar ou eólica, nos seus ciclos diários e sazonais, com uma produção energética de muitas vezes difícil de prever em prazo útil. Mas que formas de armazenamento de energia eléctrica em larga escala poderemos então ponderar e que sejam de implementação rápida?
Um pouco pelo mundo e na Europa, estão a ser construídos ou avaliados um conjunto de projectos de armazenamento de energia na subsuperfície, como por exemplo, o armazenamento de através de ar comprimido “Compressed Air Energy Storage” (CAES). O princípio de funcionamento é simples. Em períodos com excesso de produção, o ar atmosférico é injectado em rochas porosas ou cavernas de sal no subsolo, ficando disponível para produção quando existe necessidade de consumo, sem necessidade de recorrer à utilização de combustíveis fósseis. E está comprovado o mérito de contribuir para a gestão da rede eléctrica. Mas em Portugal, apesar das condições geológicas estarem identificadas e serem consideradas favoráveis, soluções deste tipo estão impedidas de serem implementadas. Primeiro, porque esta tecnologia nem sequer é discutida política e tecnicamente como solução, e segundo e mais importante, porque não existe legislação que enquadre como o armazenamento pode ser realizado. Se existisse hoje capacidade de armazenamento em meio geológico, as importações seriam certamente minimizadas ou poderiam nem sequer acontecer.
Por estas razões, é necessário começar a mudar a forma de pensar e actuar na transição energética em Portugal. Das várias formas de armazenamento de energia na subsuperfície, o CAES emerge como uma das principais soluções, não só porque permite atingir capacidade energética na ordem do GWh num único projecto, mas também porque não recorre a gases tóxicos ou explosivos, como o hidrogénio, metano ou gás natural. Pensar apenas uma única linha de produção-consumo, numa matriz exclusiva de mercado e sem pensar nas pessoas, indústria e comércio, releva-se, portanto pouco eficaz e não está a contribuir para uma independência energética real.
As soluções estão aí, são visíveis e estão debaixo dos nossos pés. Os recursos geológicos para a transição energética são hoje mais que nunca um aspecto que merece uma reflexão profunda. Salienta-se ainda a necessidade de prospecção e exploração de minerais de alta tecnologia para suportar as fontes energéticas de eólicas, fotovoltaica ou baterias. Mas as limitações para esta transformação são ainda mais acentuadas, num país que perdeu a autonomia dos seus antigos Serviços Geológicos, diluídos no actual Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia. A saber, Portugal é dos poucos países que destruiu a missão estratégica deste instituto. Sem técnicos e sem geólogos suficientes, sem financiamento que faça cumprir a sua missão, o LNEG está quase paralisado. Um país sem Geociências é um país incompleto. Sem cartografia geológica moderna, actualizada e actualizável, e ao serviço do bem comum, estamos a limitar a capacidade de pensar a transição energética, o planeamento do território, ou a gestão de riscos associados às alterações climáticas. A erosão do litoral, o empobrecimento dos aquíferos de água potável cabem perfeitamente nesta discussão. Discuta-se ainda, como compatibilizar as possibilidades de armazenamento de energia na subsuperfície, com a restante ocupação do território? Não existe ainda qualquer linha que indique quais as áreas preferenciais para este armazenamento, como as recentes criadas para as eólicas offshore, e é imperativo defini-las.
Por estas razões, é necessário valorizar, mobilizar e financiar o sistema académico e os institutos públicos para suportar a transição energética. Apostar no conhecimento dos nossos recursos geológicos e na capacidade de armazenamento de energia na subsuperfície é, não apenas um aspecto fundamental para o caminho da sustentabilidade, mas também uma ferramenta essencial para uma maior independência energética de cariz ambiental e socialmente sustentável.
