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Telecomunicações para todos. Quem paga?

Ou o Estado estabelece cláusulas de serviço público obrigatório nos contratos de concessão, ou fixa apertadas exigências na prestação de serviços ou retoma diretamente a operação das telecomunicações, assegurando a todos o acesso aos serviços. Mesmo onde não é “rentável”.

Diz-nos o semanário regional O Mirante que os municípios da Lezíria do Tejo estarão disponíveis para “instalar fibra ótica nos locais que não são comercialmente atrativos para os operadores, de modo a que as populações tenham acesso a esta tecnologia”. Tanto quanto se sabe, igual disponibilidade ocorrerá noutros municípios do país.

Percebo a atitude dos municípios, atentos às necessidades das populações e generosos na hora de suprir insuficiências e falhas dos serviços do Estado. Aqui dão um terreno para um posto da GNR; além pagam o projeto de um centro de saúde; mais adiante financiam a recuperação de uma escola… Agora estarão disponíveis para dar uma ajuda nas telecomunicações, hoje também um serviço essencial.

Curiosamente, o Estado não revela idêntica generosidade na hora de pagar às autarquias o que lhes deve. Agora mesmo, o Governo diz que não irá pagar grande parte dos 156 milhões de euros que as autarquias gastaram para combater a pandemia em 2020.

Por diversas razões, tenho as maiores dúvidas que o caminho acertado para garantir uma boa cobertura dos serviços seja transformar os municípios em operadores de telecomunicações.

Em primeiro lugar, investimentos que os municípios apliquem para suprir falhas de operadores irão com certeza faltar noutro domínio da atividade municipal, porventura mais importante. É evidente.

Depois, porque a capacidade de mobilizar investimento dos municípios é muito desigual. E é muito menor em áreas do interior, mais despovoadas, precisamente aquelas onde a cobertura das redes de telecomunicações já é mais insuficiente e exige mais investimentos por habitante.

Por exemplo, entre os 70 milhões de euros do orçamento municipal de Santarém e os 11 milhões de euros do orçamento do Sardoal vai uma diferença enorme. Ora, é precisamente em concelhos como Sardoal, no interior do país, com grandes áreas e povoações muito dispersas, que mais falham redes e onde mais será necessário investir para servir bem as populações. Mas é também onde os municípios terão mais dificuldade em “suprir insuficiências”, por falta de músculo financeiro. Os exemplos poderiam repetir-se.

Finalmente, porque além do investimento, a operação e manutenção de redes de telecomunicações exigem recursos e capacidade técnica que os municípios mais frágeis não têm, nem poderão vir a ter. Solução? Adquirir serviços, bem pagos, às tais empresas que lhes prestam serviços insuficientes…

Em qualquer caso, os fortes ficarão mais fortes, acentuar-se-á a fragilidade dos mais fracos e agravar-se-ão as iniquidades territoriais.

Hoje é consensual considerarmos essenciais os serviços de telecomunicações. Poupando então os municípios a mais esse encargo, restam-nos poucas opções.

Ou o Estado estabelece cláusulas de serviço público obrigatório nos contratos de concessão, à semelhança de outros sectores; ou o Estado fixa apertadas exigências na prestação de serviços, com o regulador a regular de facto e a aplicar aos incumpridores pesadas coimas; ou o Estado retoma diretamente a operação das telecomunicações, no todo ou em parte, assegurando a todos o acesso aos serviços. Mesmo onde não é “rentável”.

Eu iria por esta última opção, sendo que o essencial é resolver o problema sem mais encargos para os municípios.

Artigo adaptado de um original publicado pelo semanário regional O Mirante

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro técnico de comunicações. Dirigente do Bloco de Esquerda
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