No arquipélago dos Açores, terra rica em história, tradição e criatividade, um grito de desespero ressoa: "Socorro, estão a matar a cultura!" Enquanto agosto avança e o calor do verão se faz sentir, o setor cultural desta região enfrenta um clima gélido de desatenção e desrespeito porparte do governo. O título "Socorro, estão a matar a cultura" talvez possa não capturar toda a angústia e revolta que os agentes culturais dos Açores sentem neste momento, mas é um grito necessário para despertar consciências e reivindicar a preservação de um património inestimável.
A ironia não poderia ser mais acentuada: num lugar onde as tradições são cuidadosamente passadas de geração em geração, vemos o descaso com a cultura que tanto enriquece a identidade açoriana. O Regime Jurídico de Apoio à Atividade Cultural (RJAAC) foi aprovado para garantir que os artistas , criadores e gestores culturais da região tivessem os recursos necessários para continuar a sua missão vital. No entanto, já estamos além da metade de agosto e nenhum pagamento foi efetuado. O RJAAC, que deveria ser um farol de apoio e estímulo, está a ser negligenciado há tempo de mais.
A legalidade desta situação está suspensa em uma névoa de incerteza, visto que o regulamento que deveria guiar a distribuição dos apoios parece ter sido abandonado. Não se trata apenas de uma questão burocrática e legal; é um desrespeito flagrante aos artistas e agentes culturais que confiaram no sistema para obter o apoio necessário para continuar a enriquecer a cultura açoriana.
A questão monetária agrava a ferida. Onde estão os 800.000 euros do orçamento alocados ao RJAAC no orçamento de 2023? Um número pouco significativo (mas ainda assim o anunciado), uma promessa de sustento e reconhecimento para aqueles que contribuem tanto para a região. No entanto, as contas parecem não bater certo. No dia 9 de agosto de 2023, foi anunciada a atribuição de apoios no valor de pouco mais de 164.000 euros, deixando de fora centenas de projetos, artistas e agentes culturais. Onde está o restante? E mais preocupante, porque as vozes da cultura estão a ser ignoradas?
Os pedidos de audiência prévia acumulam-se, as respostas tardam ou, quando chegam, sãofrustrantemente insatisfatórias. Até o terceiro diretor regional dos assuntos culturais desta legislatura aparentemente tirou férias no período de audiência prévia, um sinal inquietante de desinteresse e desconexão com a comunidade artística.
Como agentes culturais, trabalhadores incansáveis que moldam a expressão artística e impulsionam o desenvolvimento económico, social e cultural, merecemos mais do que esta dolorosa negligência.
A cultura não é uma mercadoria que possa ser descartada em tempos difíceis. A cultura é a alma de um povo, é a força que une gerações e inspira o futuro.Enquanto alguns apontam para uma nova estratégia de marketing dos Açores com foco na área turística e cultural, é difícil não perguntar: que cultura vão eles promover? A cultura que está a ser sufocada, que está a lutar para respirar sob o peso da indiferença e da falta de apoio?
A memória do comportamento da atual administração não será esquecida. A cultura açoriana merece respeito, merece consideração e merece um futuro, mas sobretudo merece um presente. Os agentes culturais são a voz da região, a manifestação da sua essência. Eles merecem mais do que um papel secundário no orçamento e nas preocupações do governo.
À medida que os dias avançam e o sol do verão cede lugar ao outono, espera-se que um novo começo seja possível,com as candidaturas ao RJAAC2024 já a decorrer. O grito"Socorro, estão a matar a cultura" não é apenas uma lamentação; é um apelo à ação, uma chamada para a mudança. Os agentes culturais dos Açores merecem mais, e a cultura desta região merece prosperar, enraizada em algo maior e no apoio daqueles que compreendem a sua importância para o presente e para as gerações vindouras.
