Silêncio que se vai falar de precariedade

porHugo Ferreira

27 de junho 2017 - 14:28
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O novo regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), que fixa o essencial do seu regime contributivo, constitui uma barreira mais para o acesso e até para a manutenção nestas duas profissões.

A visão que a sociedade, regra geral, tem dos advogados - "bons salários, vida boa" - e a própria autocompreensão que a maioria da classe tem sobre o seu estatuto profissional - "profissão liberal, pouca ou nenhuma agenda reivindicativa" - tem conduzido a uma situação preocupante de silenciamento e naturalização do processo de proletarização e precarização da profissão.

O novo regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), que fixa o essencial do regime contributivo destas duas profissões, constitui uma barreira mais, muitas vezes intransponível, para o acesso e até para a manutenção nestas duas profissões. Justificado pelos seus defensores por razões de "sustentabilidade", a verdade é que no novo CPAS a progressividade contributiva é uma miragem, ficando o essencial da fatura, como é habitual, ainda que inadmissível, nas costas dos que menos têm e menos podem: os pequenos escritórios ou sociedades de advogados/solicitadores, os advogados/solicitadores que exercem a profissão em nome individual, os jovens advogados/solicitadores e agora, como se já não bastasse, os advogados estagiários.

Isso mesmo, aqueles que as reportagens sucessivamente retratam como os mais precários dos precários, os que trabalham e não recebem, os que trabalham e recebem abaixo do salário mínimo, os que não têm um horário de trabalho definido e um regime de proteção social digno desse nome: os estagiários. Os mesmos que, depois de 4 anos de formação académica, muitas vezes 5 anos e meio ou 6 anos se contarmos com o mestrado, se deparam com a exigência de mais dois anos (que são quase sempre 3) de estágio profissional ministrado pela respetiva Ordem profissional. Os mesmos que, aprovados em dezenas de exames na faculdade (escritos e orais), lhes veem exigido novo esforço superador, com novos exames, muitas vezes com questões por si já respondidas com sucesso nas provas da faculdade. Os mesmos que, muitos euros de propinas depois, já não sabem com que cara dirão aos seus pais, quando estes podem ajudá-los, o valor da inscrição na Ordem, nos exames ou da cédula profissional.

É a estes, aos estagiários, que não sabem sequer se conseguirão completar o seu estágio, tamanhas são as dificuldades, que o novo CPAS exige o pagamento de uma contribuição de 26,46 Euros. “Um valor residual e simbólico”, dirão alguns. “Um valor significativo”, dirão aqueles advogados, certamente a maioria, que pouco ou nada recebem durante o seu estágio, apesar das onerosíssimas despesas (poder-se-á igualmente chamar investimento) que o mesmo acarreta. “Um valor injusto”, dirão aqueles advogados que, com o novo CPAS, perderam a isenção contributiva concedida aos advogados durante o seu primeiro ano de atividade. “Um valor sem sentido”, dirão aqueles advogados que, abrindo a atividade junto das finanças para declarar de um valor, imagine-se, de 150 euros por um serviço prestado, ficarão onerados com a obrigação de pagar mensalmente o referidos 26,46 Euros. Como diria o atual secretário-geral da ONU, é fazer as contas e pensar se vale a pena receber alguma coisa.

O Bloco de Esquerda tem, desde o início da legislatura, colocado o problema em discussão e exigido soluções que, salvaguardando a sustentabilidade da CPAS, promovam a justiça e a progressividade contributiva. Por iniciativa do Bloco foi constituído um grupo de trabalho com a responsabilidade de avaliar o impacto do novo CPAS, em particular, junto dos jovens advogados/solicitadores e advogados/solicitadores que exercem a profissão em nome individual. Esse grupo de trabalho, formado em finais de agosto de 2016, irá apresentar em breve as suas conclusões, conforme confirmou ao Bloco o Governo na última audição da Ministra da Justiça no Parlamento.

Os advogados (-estagiários) e solicitadores (-estagiários), que sentem no dia-a-dia o impacto do novo CPAS nas suas vidas, esperam certamente que o Governo não desperdice esta oportunidade para encontrar uma solução justa, equitativa e sustentável para o seu regime contributivo. O Bloco, como não poderia deixar de ser, está com eles.

Hugo Ferreira
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