A Invisibilidade Estratégica: Quando a Personalização se Torna Exclusão
A recente decisão da Meta de alterar os nomes dos temas de personalização no Messenger relacionados com a comunidade LGBT+ levanta preocupações significativas. Estas alterações, que podem parecer inofensivas, refletem uma estratégia que vai além da simples escolha de palavras, afetando diretamente a visibilidade e o reconhecimento de uma comunidade já marginalizada. Em vez de promover a inclusão, estas mudanças representam um retrocesso no compromisso com a diversidade, especialmente quando analisadas em conjunto com outras decisões recentes da empresa.
Entre estas decisões, destaca-se o anúncio do fim do programa de verificação de factos, implementado desde 2016. Este programa tinha como objetivo combater a disseminação de desinformação, contando com a colaboração de órgãos de comunicação social e plataformas de fact-checking independentes para verificar a veracidade das publicações nas redes sociais da empresa. No entanto, a Meta decidiu substituí-lo por um sistema de “notas da comunidade”, semelhante ao que existe no X (antigo Twitter), detido por Elon Musk. Com este modelo, passa a ser da responsabilidade dos utilizadores adicionar correções aos conteúdos que considerem enganosos ou imprecisos.
As Novas Regras e as Ameaças aos Direitos Humanos
As novas regras da Meta não só ameaçam vidas LGBT+ como também colocam em risco décadas de conquistas nos direitos humanos. Mais preocupante ainda é o facto de as Diretrizes da Comunidade da Meta, que regulam os conteúdos nas plataformas Instagram, Facebook e Threads, terem sido alteradas para permitir publicações que associam pessoas LGBTQIAPN+ a "doenças mentais". Estas alterações aplicam-se globalmente, afetando todos os países onde as redes sociais da Meta estão disponíveis.
Entre outras mudanças, as novas diretrizes permitem conteúdos que defendem limitações de género em determinadas profissões, como no serviço militar, na polícia ou no ensino, e permitem alegações discriminatórias com base em crenças religiosas. Por exemplo, conteúdos que argumentem que mulheres "não têm capacidade" para funções militares ou que pessoas trans "não podem ser professoras" agora são autorizados.
Além disso, a Meta ampliou o escopo das discussões sobre exclusão baseada em género ou sexo para incluir temas como acesso a casas de banho, escolas específicas, papéis militares e aplicação da lei. Esta mudança retira restrições anteriormente limitadas a grupos de saúde ou apoio.
Outro ponto alarmante é a remoção da proibição de conteúdos que alegam que determinados grupos, definidos por raça, etnia ou género, são responsáveis pela disseminação da Covid-19. Isto inclui, por exemplo, associar a propagação do coronavírus a cidadãos chineses, uma prática que pode fomentar discriminação e xenofobia.
A Estratégia de Invisibilidade e Desresponsabilização
Estas decisões, juntamente com as mudanças nos temas do Messenger, revelam um padrão preocupante. A alteração de nomes como "Orgulho", "Transgénero" e "Não-binário" para termos genéricos como "Arco-íris" ou "Algodão doce" dilui a identidade e a luta de uma comunidade que enfrenta desafios constantes em busca de reconhecimento e igualdade. Estes nomes originais eram mais do que etiquetas decorativas; eram símbolos de validação, representação e pertença.
O timing destas mudanças também não é coincidência. A substituição do programa de verificação de factos por um sistema dependente de utilizadores reflete uma abordagem menos comprometida, desvalorizando o papel das instituições especializadas na preservação da verdade e da responsabilidade social.
A invisibilidade e a desinformação andam de mãos dadas na construção de uma sociedade desigual. Retirar o nome "Transgénero" e substituí-lo por "Algodão doce" não é um ato neutro; é uma escolha que apaga a luta de quem precisa de ser visto e reconhecido. E, da mesma forma, transferir para os utilizadores a responsabilidade de corrigir informações incorretas ou enganosas amplifica o risco de desinformação e mina a confiança nas plataformas digitais.
Uma Ameaça Global e a Urgência de Ação
Estas novas diretrizes da Meta não são apenas um retrocesso; representam uma ameaça concreta às vidas LGBT+ e aos direitos humanos em todo o mundo. No Brasil, um país que já lidera globalmente em taxas de assassinatos de pessoas trans, estas decisões intensificam um cenário de violência e discriminação extremas.
Diversos atores políticos já enviaram ofícios à Relatoria Especial da ONU sobre questões de minorias, solicitando que estas mudanças sejam investigadas por possíveis violações dos direitos humanos. Estes ofícios pedem também explicações do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, sobre o impacto destas políticas.
O Papel das Grandes Corporações Tecnológicas
Empresas com o alcance e a influência da Meta têm a responsabilidade de liderar pelo exemplo, adotando práticas que promovam a inclusão e a verdade. Contudo, estas decisões recentes revelam uma postura mais preocupada em evitar controvérsias do que em enfrentar os desafios éticos do nosso tempo.
A luta pela equidade e pelos direitos das comunidades LGBT+, bem como o combate à desinformação, não são questões secundárias. São pilares fundamentais para uma sociedade mais justa, inclusiva e bem informada.
Identidades e verdades não são negociáveis. Apagá-las ou relativizá-las não é um gesto neutro; é um ato político com consequências graves. É imperativo exigir mais das grandes empresas tecnológicas, reafirmando que a justiça social e a informação confiável são essenciais para o progresso coletivo.
