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Será o Banco dos BRICS uma alternativa?

O Banco dos BRICS apresenta-se retoricamente como uma alternativa ao Banco Mundial e ao FMI, recusando até ao momento a imposição de reformas estruturais neoliberais para se receber ao “auxílio”, mas defenderá, ao invés, outros interesses.

Há seis anos que o debate em torno da Grécia tem incidido sobretudo na crise económico-financeira, na austeridade e na reestruturação da dívida, e bem. Porém, com o iniciar e intensificar das negociações entre o novo Governo grego e os credores veio a somar-se também a importância do posicionamento geopolítico e geoestratégico do país. Com o crescente impasse nas negociações, o Governo grego começou a sondar potenciais alternativas à União Europa (UE), como a Rússia e a sua possível adesão ao Banco dos BRICS1. É neste contexto que as idas a Moscovo de Alexis Tsipras e de Panagiotis Lafazanis, Ministro da Energia, e o acordo, no valor de 2 mil milhões de euros, de construção de um gasoduto se inserem. Pretenderam aumentar a pressão junto dos credores num momento de crescentes tensões e de impasse negocial, expondo que a Grécia possui outras eventuais alternativas. Mas será que a Rússia e o Banco dos BRICS são uma verdadeira alternativa para a Grécia caso esta saia da zona euro e, em última instância, da UE? Provavelmente não. Assim, temos de analisar o porquê, em que moldes o Banco dos BRICS se constituirá e quais os interesses que defenderá, bem como a sua relação com o caso grego.

A criação do Banco dos BRICS insere-se na disputa pela distribuição do poder no sistema internacional, da unipolaridade para a multipolaridade, entre as novas potências económicas e os Estados Unidos da América (EUA) e a Europa. O aumento do poder económico-financeiro dos Estados é muitas vezes acompanhado do fortalecimento gradual do poder militar e, consequentemente, político, colocando em causa o status quoda distribuição de poder regional ou até mesmo mundial. Ora, é precisamente este o caso dos BRICS. Se estes possuem crescente poder económico-financeiro, militar e político, as organizações estruturantes do atual sistema internacional, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Banco Mundial e o FMI, não espelham estas alterações, mantendo, ao invés, a distribuição do poder pós-II Guerra Mundial. Os estatutos das organizações, quer seja na atribuição dos lugares de membros permanentes ou nos sistemas de quotas de votos, permitem que as potências ocidentais e suas aliadas dominem as organizações, impedindo as potências emergentes de aumentarem o seu poder e influência nas mesmas, mesmo que o Ocidente as tenhas inserido no G7 para as acomodar. Perante esta impossibilidade, os BRICS decidiram, em 2012, avançar com a criação de um Banco que possua tanto as competências do Banco Mundial como as do FMI. Se não conseguem ascender no seio das organizações estruturantes do sistema internacional, então criam outras paralelamente, umas que defendam os seus interesses.

Os BRICS não se constituem como um bloco de Estados em que todos os seus interesses convergem. Por exemplo, se o Brasil, a Índia e a África do Sul defendem a reforma do Conselho de Segurança para se alargar o número de membros permanentes, porventura eles próprios, já a Rússia e a China não defendem essa reforma por permitir a ascensão destes Estados e por, consequentemente, criar novos competidores no sistema internacional. No entanto, os interesses dos BRICS convergem na criação do Banco, pois este representa uma forma de diminuir ou até retirar a hegemonia económico-financeira do Ocidente e seus aliados no sistema internacional. Os dois Estados impulsionadores do Banco são a Rússia e a China e, portanto, é importante analisar os seus interesses e quais as suas relações com o caso grego.

A ascensão da Rússia no sistema internacional tem-se baseado, nos últimos anos, tanto na exportação de petróleo e gás natural como na chantagem do aumento ou mesmo corte de fornecimento destes ao continente europeu, além do investimento e utilização das suas estruturas militares. Com a crise ucraniana as tensões entre a Rússia e os EUA/UE atingiu um ponto de tensão nunca antes visto desde o fim da Guerra Fria. A Ucrânia representava tanto para a Rússia como para a Europa uma passagem fundamental deste recurso cada vez mais precioso, mas com a crise novas alternativas são necessárias. Ora, o posicionamento geopolítico e geoestratégico da Grécia, bem como a existência de petróleo no seu território marítimo, intensificaram a sua importância. Assim, a Rússia pretende construir um gasoduto que passe por território grego para continuar a fornecer o continente europeu, contornando a Ucrânia para manter uma posição forte no jogo energético. Em troca a Grécia terá acesso ao petróleo e gás natural a preços mais baixos. A este facto acresce a importância marítima da Grécia por possuir uma importante estrutura marítima, nomeadamente os portos, que caso fosse permitido à Rússia utilizá-las para objetivos militares ficaria com um importante triângulo geoestratégico de bases militares navais: Sebastopol, Tartus (Síria) e Grécia. Nos últimos dois séculos a política externa russa tem atribuído uma enorme importância ao acesso, pelas suas forças navais, ao Mediterrâneo. Com este dispositivo naval retiraria a hegemonia europeia no Mediterrâneo. No entanto, tais interesses veem-se impedidos pela pertença da Grécia à NATO, mas caso a primeira saia da UE a sua pertença à segunda poderá eventualmente ser colocada em causa, originando novas oportunidades à Rússia.

Por outro lado, a China tem gradualmente aumentado a sua influência no sistema internacional através do auxílio económico-financeiro a Estados que não consigam ou desejem requerer ao Banco Mundial ou ao FMI. Em troca da sua “ajuda” impõe como condições basilares o acesso aos respetivos recursos naturais que o respetivo Estado tenha no seu território e que a China necessite para o seu crescimento económico e a obrigatoriedade do primeiro atribuir os contratos públicos a empresas chinesas, que trazem trabalhadores chineses para trabalharem nesses mesmos projetos. O “auxílio” chinês a outros Estados tem como base o chamado Consenso de Pequim, um modelo económico baseado em juros baixos, moeda relativamente desvalorizada, salários miseráveis e políticas públicas austeras nos gastos administrativos e sociais, mas concentradas na produção. A Grécia é importante para a China por possuir as referidas infraestruturas marítimas, os portos, que atualmente são um dos pontos de passagem de importação/exportação da China para o continente europeu, principalmente para a Alemanha. Precisamente por esse motivo é que a China pretendia comprar o porto de Pireus.

Se a China pratica o que se pode chamar de subimperialismo por fornecer “auxílio” aos Estados que lho requeiram não para desenvolver quem recebe os fundos mas para defender os seus interesses, já a Rússia pratica imperialismo ao utilizar a força armada na prossecução dos seus interesses políticos e económicos, como é o caso da Ucrânia. Os objetivos destes dois Estados são o aumento do seu poder e influência no sistema internacional para poderem ascender e, assim, alterarem a distribuição de poder no sistema internacional da unipolaridade para a multipolaridade.

O Banco dos BRICS apresenta-se retoricamente como uma alternativa ao Banco Mundial e ao FMI, recusando até ao momento a imposição de reformas estruturais neoliberais para se receber ao “auxílio”, mas defenderá, ao invés, outros interesses, nomeadamente os dos imperialismos chinês e russo. É de relembrar que todos os Estados que compõem o grupo dos BRICS foram alvo de políticas neoliberais nas últimas décadas, políticas que moldaram as suas economias e formas de agir. Por exemplo, a necessidade de manutenção de salários competitivos – baixos – continua a ser a espinha dorsal das diretrizes da política económica dos BRICS.

A todos estes interesses específicos das principais potências dos BRICS acresce-se ainda o facto de uma eventual adesão da Grécia ao Banco poder romper com a ideia de que este é apenas uma criação de Estados não ocidentais. Se a Rússia financia partidos de extrema-direita europeus, como a Frente Nacional, com o objetivo de minar o projeto europeu internamente, com a adesão da Grécia demonstrar-se-ia que o Banco dos BRICS não é apenas uma alternativa para os Estados em desenvolvimento, mas também para os desenvolvidos, alargando o “mercado”. Abrir-se-ia uma brecha na posição ocidental de não aderir ao Banco por este ser um competidor das instituições que o Ocidente controla e acentuando a perceção de que poderá ser mesmo uma alternativa ao Banco Mundial e ao FMI.

Mas caso a Grécia saia da zona euro e, em última instância, da UE e venha a precisar de auxílio económico-financeiro será o Banco dos BRICS uma alternativa? Provavelmente não. Se a Grécia romper com a UE, por esta tentar derrubar o seu governo democraticamente eleito ao impor a continuidade da austeridade, e se virar para o Banco dos BRICS estará apenas a trocar de “donos”. Ou seja, trocará os interesses europeus de que a Grécia esteve refém durante cinco anos pelos interesses de outras potências que, como é óbvio, apenas privilegiam os seus interesses. A aproximação à Rússia e o sondar de uma eventual adesão ao Banco pelos governantes gregos apresentaram-se até ao momento como manobras táticas com o objetivo de pressionar os credores a cederem nas negociações e a deixarem a Grécia respirar, a romper com a austeridade em prol de políticas sociais e de investimento. O futuro é incerto e, em último caso, a resposta se será o Banco dos BRICS uma alternativa para a Grécia dependerá da própria situação financeira do Estado grego, das condições em que poderá ter saído da UE e das negociações desta com os BRICS para a sua adesão ao Banco e, porventura, às obrigatoriedades que terá de cumprir se requerer auxílio económico-financeira. Mas à partida provavelmente não.

Artigo publicado em Observatório da Grécia


1 Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Sobre o/a autor(a)

Mestrando em Ciência Política
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