No artigo Angústia no Pátio das Damas (uma ficção política), Viriato Soromenho Marques ficciona a hipótese de Marisa Matias ser eleita presidente e ser confrontada com a agudização da situação política portuguesa sob pressão da Comissão Europeia e do Eurogrupo, com a queda do governo de António Costa e com o dilema de convocar eleições ou dar posse a um novo governo constituído por uma coligação entre PSD e PS, chefiada por Luís Montenegro e Francisco Assis.
O autor conclui: “Afinal, Marx não tinha razão. A história não repete sempre as tragédias sob a forma de farsa. Acontece que, na realidade, às vezes as tragédias podem repetir-se como outras tragédias. Iguais ou maiores”.
Dois apontamentos sobre esta ficção.
Primeiro, que candidata/o preferiríamos ter como Presidente para enfrentar a tragédia? Sabemos que, num tal cenário, se Marcelo fosse presidente daria posse e um apoio inequívoco à nova coligação e explicaria como o povo português se deve resignar à continuação do empobrecimento, aceitando veneradamente as imposições da troika.
Não sei o que fariam Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa, mas a sua ânsia na disputa do apoio do aparelho do PS não augura nada de bom.
Obviamente, não sei o que faria Marisa Matias, mas todas as pessoas sabem duas coisas: Marisa respeitaria a Constituição da República e não se esqueceria do povo que a elegeu. E estas duas questões são essenciais para a confiança perante situações dramáticas. Perante uma tal “tragédia”, para usar o termo do autor, o melhor que poderíamos ter seria uma presidente que não tivesse em conta apenas as instituições e “as pessoas que contam”.
Em segundo lugar, algumas palavras sobre a “tragédia” repetida. Tendo em conta a evolução recente em Portugal e na Europa, ao ler esta ficção fica-se com a ideia que ela tem algo de realista e é gizada de forma interessante. No entanto, uma frase chave marca-a: “os escombros tombaram para cima do governo minoritário do PS”. Esta ideia, de que um aumento do peso do Bloco de Esquerda potenciaria um cenário catastrófico, é, no entanto, o elemento irrealista da ficção. A última campanha eleitoral e a proposta feita por Catarina Martins no debate com António Costa é, porventura, o exemplo mais significativo desse irrealismo. Mas, sobretudo, existe a experiência de muitos anos de predomínio de bloco central e de alternância PS/PSD, que apenas têm levado o país ao desastre. O receio de romper com o voto dominante, com os partidos do “arco da governação”, nunca ajudou nada a abrir caminhos de esperança.
E, complementando esta ideia, uma segunda frase ressalta do texto: “... aconselharia a não fazer muitas ondas”. Com medo de fazer ondas, o Pasok aliou-se, na Grécia, à Nova Democracia, Zapatero cedeu o lugar a Rajoy, Sócrates aplicou vários PEC's e deu lugar a Passos Coelho. Mas, pior ainda, em França com Holland é Marine Le Pen que cresce.
Com medo de fazer ondas, a tragédia pode sempre piorar...
Talvez a esquerda deva antes pensar no que deve fazer, face à política imposta pelos poderes dominantes na União Europeia, para que a alternativa de esquerda se torne esperança, em vez de desaparecer, como aconteceu na Hungria de Órban ou na Polónia do “Direito e Justiça”.