Saúde em Portugal: Por onde temos de ir?

porJosé Manuel Boavida e João Filipe Raposo

06 de dezembro 2016 - 13:57
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Temos de lutar para ter um ambiente mais facilitador dos comportamentos saudáveis (planeamento urbano, transportes, condições laborais, alimentação saudável).

A OCDE publicou o relatório “Health at a glance: Europe 2016”. A situação já conhecida agravou-se: em Portugal, vivemos mais, mas sem saúde. As mulheres vivem, em média, 29 anos e os homens 20 anos com situações incapacitantes antes de morrer.

O nosso sistema de saúde está ainda hoje focado na resposta às “urgências” e numa compartimentalização, quase total, entre os diferentes níveis de cuidados. O medo das epidemias que dizimaram populações continua a dominar a orientação das políticas de saúde. Gripe das aves, gripe A, ébola, mobilizam significativos recursos financeiros e humanos que demonstram que existe capacidade de resposta para novos desafios.

O nosso mundo mudou! A rede de médicos sentinela coordenada pelo INSA anunciou no seu recente relatório (Médicos Sentinela: o que se fez em 2015) que a incidência de hipertensão, diabetes e AVC voltou a aumentar em 2015! As doenças crónicas dominam o gasto dos recursos de saúde e são também elas as que se associam aos grandes défices de saúde em Portugal.

Embora Portugal tenha sido pioneiro nos anos 70 na compreensão das principais causas das doenças crónicas como estando associadas a fatores socioambientais [neste aspeto, a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) foi premonitória], assistimos nos últimos anos a um retrocesso no seu combate.

Urbanização das populações, casas sem isolamento térmico, envelhecimento e isolamento social nos centros urbanos, maus e poluentes transportes, pobreza, desemprego e precariedade, baixa literacia em saúde, baixa escolaridade, processamento industrial dos alimentos, sedentarismo, são as ameaças atuais para as quais necessitamos de encontrar respostas equivalentes às melhorias sanitárias proporcionadas pela generalização das redes de esgotos e o acesso a água potável que tanto reduziram as doenças infecciosas no passado.

Em Portugal, investimos muito no tratamento, facto que contribuiu para a obtenção de resultados muito positivos. Mas as decisões de Saúde Pública necessárias ultrapassam em muito a área da medicina curativa.

A abordagem das doenças crónicas passa obrigatoriamente por uma visão de desafio de sociedade (a saúde em todas as políticas!) e por uma mudança na atuação dos serviços de saúde – através da existência de uma resposta ambulatória integrada, dirigida às necessidades das pessoas e da mobilização dos recursos da comunidade – veja-se o exemplo da APDP ao longo dos seus 90 anos.

É possível viver com menor sofrimento e limitações das doenças crónicas tal como acontece nos países nórdicos. O nosso modelo de sociedade, desorganizado, consumista, sedentário, individualista tem de mudar. Temos de lutar para ter um ambiente mais facilitador dos comportamentos saudáveis (planeamento urbano, transportes, condições laborais, alimentação saudável). A Saúde Pública moderna implica uma visão coordenada de saúde, planeamento, educação, agricultura, economia, ambiente… O presidente da Ordem dos Médicos desafiou há dias o Ministério da Saúde a avançar com um Programa Nacional de Prevenção.

Mais do que um desafio ao SNS este desafio é a toda a sociedade portuguesa. É um repto que a Assembleia da República deveria pegar nas suas mãos.

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