São Roque do Pico: Um concelho adormecido no tempo

porDaniela Silveira

27 de agosto 2024 - 17:11
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São Roque do Pico merece mais do que tem recebido. Merece uma administração que valorize e promova a sua cultura, que cuide das suas infraestruturas de maneira responsável e que comunique com transparência e eficácia.

São Roque do Pico é um lugar onde o tempo parece ter parado. A tranquilidade que outrora poderia ser considerada um charme local, hoje revela-se um marasmo preocupante. Esse silêncio ensurdecedor, interrompido apenas pelo desfile das filarmónicas nas procissões, é um reflexo de uma comunidade que se encontra estagnada, não por fatalidade, mas por inércia e incompetência política.

O executivo municipal dos últimos anos, apresentou-se a eleições com uma mão cheio de críticas e, a bem da verdade, pouca pujança e ambição. Desde 2021 para cá tem demonstrado uma inoperância preocupante. Em vez de promover um desenvolvimento sustentável e inclusivo, limitou-se a projetos superficiais, e a cobrir as ruas e costa do concelho com alcatrão e cimento. Essas ações, embora necessárias em certa medida, não substituem a vitalidade cultural e social que deveria ser a marca de São Roque do Pico, que se quer afirmar como a capital do turismo rural.

A falta de animação cultural e turística é particularmente evidente durante as principais épocas festivas. Enquanto outros concelhos da ilha enchem-se de vida e celebrações no Natal, Páscoa e Verão, São Roque permanece em silêncio. A ausência de eventos culturais e de entretenimento não só desanima os moradores, mas também afasta possíveis visitantes. Até as poucas infraestruturas sociais e culturais existentes, como a biblioteca municipal, o jardim municipal, a casa dos sofias, estão ao abandono, sem vida. A ausência de comércio, de instituições bancárias e de outros serviços básicos denota um ciclo descendente que afeta a qualidade de vida e o desenvolvimento económico do concelho.

A comunicação camarária é outro ponto fraco da atual administração. A falta de clareza, a inexperiência, e o desconhecimento da lei são evidentes. Quando não se faz, tenta-se aparentar que se faz, muitas vezes apropriando-se do trabalho de outros. Essa postura é não só antiética, mas também de desrespeito com aqueles que realmente trabalham pelo bem da comunidade.

A gestão de resíduos no concelho também é deficiente. Os contentores de lixo frequentemente transbordam, e as suas áreas circundantes fedem, indicando uma falta de eficiência na limpeza e organização da recolha. A gestão da qualidade da água potável e da água do mar do concelho é desleixado. A população desconhece a condição dessas águas, o que é mais um indicador de falta de transparência. Não é necessário inventar a roda, basta copiar o que tão bem o concelho da Madalena e das Lajes fazem. O problema da água potável nas habitações, uma promessa eleitoral do atual executivo, continua por resolver, com freguesias do concelho enfrentando a persistência de seca nas torneiras.

No final do mês de julho, as zonas balneares e não balneares encontravam-se sem a devida sinalética exigida por lei, e com obras de melhoramento deixadas de lado e ao desmazelo.

No momento actual, São Roque já padece de um problema demográfico que se agravará nos próximos anos. A aposta no turismo, sem um dinamismo cultural e social à altura, fará com que São Roque se transforme num dormitório de turistas, com mão de obra barata, onde fixar profissionais e empresas qualificados será uma tarefa impossível. Neste momento, o concelho não tem nada a oferecer aos jovens e às famílias que moram nele ou que possam considerar viver aqui. A falta de oportunidades de trabalho condigno, uma escola com carências profundas de infraestrutura e currículos adequados e de qualidade, a ausência de um bom sistema de saúde, a ausência de um ambiente social estimulante estão a criar um cenário onde o futuro parece cada vez mais incerto e mais parecido com um passado distante.

Este executivo parece ter-se concentrado em prometer obras que são da alçada do governo regional, agarrando-se a uma boia de salvação eleitoral que tarda em chegar, enquanto ignora as suas funções e as necessidades do concelho. Promessas vazias e projetos inacabados não resolvem os problemas de uma comunidade adormecida. No entanto, não há executivo mais abençoado do que este, porque com a quantidade de procissões e missas que frequentaram, devemos esperar um milagre.

No dia que foi empossado presidente da câmara de São Roque do Pico, Luís Filipe Silva, disse que: “Precisamos de todos, da sua vontade, da sua força, do seu empenho, até mesmo da sua crítica construtiva, para podermos levar a bom porto a nossa missão de fazer mais e melhor pelo Concelho de São Roque do Pico”. Pois o seu executivo segregou quem tinha vontade, força, empenho e sobretudo quem apresentou críticas construtivas, foi colocado de parte.

A continua não valorização de pessoas e eventos importantes, os poucos que sobram, para o concelho denota um comportamento de inveja em que os interesses pessoais de manutenção do pequeno poder estão acima do interesse público e da comunidade. Pois só abafando os proactivos e capacitados é que os ineficientes conseguem perpetuar-se nas instituições locais.

Tudo isto passou-se e passa-se sob o olhar entorpecido dos residentes e da assembleia municipal, que parece não ver, não reivindicar e não fazer sugestões para uma melhor gestão do concelho.

São Roque do Pico merece mais do que tem recebido. Merece uma administração que valorize e promova a sua cultura, que cuide das suas infraestruturas de maneira responsável e que comunique com transparência e eficácia. Acima de tudo, merece uma liderança que desperte o concelho desse sono profundo e o conduza a um futuro próspero. E deixo a questão. Serão os nómadas digitais capazes de acordar o concelho? Afinal, para quem conhece, nómadas digitais procuram concelhos com movimento e dinamismo.

Acorda, São Roque!

Daniela Silveira
Sobre o/a autor(a)

Daniela Silveira

Diretora executiva e criativa do Festival +Jazz, que conta com nove edições e do Lava - Festival Internacional de Jazz do Pico, a caminho da quarta edição. Formação base em Direito e Administração e Gestão de Empresas com especialização em Produção de Eventos e Empreendedorismo Social.
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