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Salvo pela ignorância

Afinal, a estupidez compensa e a ignorância transforma-se numa virtude. Pelo menos, assim nos diz a Justiça portuguesa.

A acção desenrola-se no ano de 2006. Um administrador de uma empresa de construção civil tenta subornar um vereador de uma câmara municipal. O objectivo do suborno é conseguir a cumplicidade do vereador para que este desista de uma acção que decorre em tribunal e que impede a realização de um negócio vantajoso para a empresa de construção civil. O vereador não cai na tentação e denuncia a tentativa de suborno.

O país é Portugal e a cidade em questão é Lisboa.

Este poderia ser o enredo de um qualquer filme de ficção, que após a prova concreta da tentativa de suborno se tornaria maçador e até mesmo o inevitável final feliz da condenação do administrador corruptor apareceria sem qualquer novidade, perante o olhar crescentemente desinteressado do espectador.

Curiosamente, neste cantinho à beira mar plantado, a realidade ultrapassa largamente a ficção e, colocando um inverosímil volte-face final, o corruptor acaba perdoado pela ignorância demonstrada no acto: o objectivo final pretendido não se enquadrava dentro das funções do vereador. A explicação mais precisa é a de que o corruptor é inocentado do crime de corrupção activa de titular de cargo público, porque os actos que queria promover não se enquadravam dentro da esfera de competências legais do vereador.

Como diria o nosso povo: "contado ninguém acredita". Afinal, a estupidez compensa e a ignorância transforma-se numa virtude. Pelo menos, assim nos diz a Justiça portuguesa, numa demonstração clara que ainda muito há para fazer no que respeita ao combate à corrupção.

A história ficcionada enquanto drama passa para a vida real enquanto comédia, que apenas serve para descredibilizar a Justiça.

Já tínhamos chegado à conclusão que o crime compensava quando foi conhecida a decisão do tribunal de primeira instância: após uma tentativa de corrupção de 200 mil euros, o corruptor tinha de pagar uma multa de 5 mil euros. Agora que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre o assunto, conclui-se que tudo não passou de uma brincadeira de muito mau gosto.

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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