São saltimbancos, nómadas, errantes, viajantes, artistas que levam na caravana a tenda da alegria. São do circo tradicional, da arte como lha ensinaram. Aprenderam com os pais, os avós, os tios e amigos de estrada. Começaram pequenos, jovens, muito jovens, a desenhar piruetas, a arrancar gargalhadas, a montar e a desmontar palcos, a cantar, a dançar, a tocar o serrote extraindo música do objeto mais improvável, a transmitir o conhecimento de gerações, de uma arte milenar, reciclada e negligenciada pelo anúncio do ‘novo circo’ que afinal não é tão novo assim. Esqueceram a dureza das condições de trabalho, das horas ininterruptas de trabalho, da falta de proteção social naqueles aplausos entusiásticos, nos sorrisos das crianças, nos prémios, no reconhecimento, em ovação, nos coliseus. Depois de retirada a maquilhagem, de desmontado o espetáculo os palhaços, os contorcionistas, malabaristas, trapezistas, os artistas de circo são pessoas, com vida, com família, com futuro. Sempre se ensinou aos artistas que tinham que estar por si mesmos, que tinham que ser precários por ter que ser assim, tudo intermitente, tudo incerto, tudo fugaz e que por isso só tinham direito ao efémero. Só que depois há a reforma mingada, a injustiça dos muitos anos de trabalho não reconhecido, a falta de apoios e do reconhecimento público de outrora, ou de países vizinhos.
Dizem-lhes que não são cultura, ou assim pensam, e indignam-se. E bem. Claro que são. Que ninguém os faça acreditar no contrário.
Dizem-nos que não sabemos de nada e, de facto, sabemos pouco depois de apagadas as luzes da ribalta. Sentem-se parte de uma grande família e, por isso, falar-lhes de exploração laboral parece-lhes estranho, distinguir patrões de trabalhadores parece-lhes bizarro, mesmo conhecendo todos os efeitos da exaustão e sabendo o que é o desrespeito por regras básicas de saúde e segurança no trabalho. Não sabem muito, talvez nada, de marxismo dialético, mas sentem na pele todas as consequências da intensificação do trabalho com vista à maximização do lucro.
Por isso mesmo reivindicam apoio estatal para a sua atividade e veem nesse apoio o pressuposto para que possam vir a desenvolvê-la com dignidade e com respeito por direitos laborais e por direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados e essa causa só pode merecer solidariedade.
É por isto tudo que uma petição pública “Pela maior regulação e fiscalização da atividade do artista de circo e promoção de políticas públicas culturais que promovam o circo tradicional” é um ato de coragem.
Ouso dizer, e faço-o convictamente, que é mais que merecido que assinemos e apoiemos esta petição.
Falar desta petição é falar de mais um passo contra o esquecimento que é o maior aliado da exploração, é falar de um ato de luta que sendo a luta de uns, como todas as lutas justas será sempre a luta de todos. Que seja agora dado o passo de resgatar saltimbancos da precariedade e da exploração. Que seja agora que deixemos os trabalhadores do espetáculo fora dessa condenação anunciada a um trapézio sem rede.