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A recessão e a festa

À entrada do ano para o qual o Governo prevê um leve crescimento, o país já reentrou em recessão, o que indicia mais más notícias para o país. A estas más notícias, o Governo responde com medidas para facilitar os despedimentos.

Portugal está novamente em recessão. Os dados do Quarto Trimestre de 2010 apontam para um redução em cadeia de 0,3%. Sócrates, sempre sem medo do ridículo, cantou vitoria, realçando a variação homologa que, obviamente beneficia do efeito de base em relação ao ano horribilis de 2009. Nada a que não estejamos habituados.

Mas estes dados têm dois aspectos menos evidentes que tornam ainda mais negro o quadro que se começa a desenhar em relação a 2011. Desde logo, estes dados ainda não reflectem os efeitos recessivos que terão as medidas aprovadas no ultimo Orçamento. Estes dados ainda não são afectados pela compressão do consumo que irá decorrer dos cortes nos salários e nas prestações sociais e dos aumentos dos impostos. Aliás, o impacto das medidas do orçamento neste quarto trimestre foi positivo, na medida em que a antecipação de compras por parte de individuais e empresas, para evitar o aumento do IVA, contribuiu para um aumento do consumo, que será compensado negativamente nos primeiros meses do ano.

Estes dados mostram, para quem não for Primeiro-ministro e quiser ver, que o aumento das exportações, para além de se dever a vários factores meramente conjunturais e também ao efeito-base de 2009, não mostra nenhuma mudança de fase no dinamismo da nossa economia e não é manifestamente suficiente para carregar uma economia com mais de 10% de desemprego e uma procura interna deprimida. Na realidade, os números das exportações são fortemente marcados por variações nos preços de matérias-primas, incluindo combustíveis, de que Portugal é importador e transformador.

Assim, à entrada do ano para o qual o Governo prevê um leve crescimento, o país já reentrou em recessão, o que indicia mais más notícias para o país, do ponto de vista do aumento do desemprego, do agravamento das fragilidades da nossa economia e da necessidade de novas medidas de austeridade. A estas más notícias, o Governo responde com medidas para facilitar os despedimentos. Mas as más notícias não são para todos.

Nas semanas anteriores, foram divulgados os resultados dos quatro maiores bancos privados. Com excepção do Santander, todos esses bancos reduziram drasticamente a incidência fiscal. Essa redução permitiu-lhes aumentar os lucros, em grande medida graças a aumento das comissões cobradas aos seus clientes, e reduzir o volume de impostos pagos. No caso do BES, os impostos reduziram-se em quase 60%.

Nos casos do BCP e do BPI, a carga fiscal foi negativa, ou seja, estes bancos ficaram com créditos fiscais, apesar de terem tido 500 milhões de euros entre os dois. Uma alegria.

Tudo isto aconteceu apesar de todos os discursos do Governo, que garantiu que seriam pedidos "mais sacrifícios a quem tem mais". O que sabemos hoje é que quem vive do seu trabalho, da sua reforma ou de prestações sociais vai pagar sozinho todos os sacrifícios e que o resultado desses sacrifícios vai ser a recessão económica. Os resultados e os impostos da banca estão aí para mostrar o país que não tinha de ser assim. Não tinha mesmo. Se há ideia para a qual temos de ganhar todas as vítimas desta política, é a de que, mesmo no quadro das enormes e absurdas limitações institucionais da União Europeia, em todos os momentos, há sempre escolhas. Falemos de escolhas, falemos de alternativas. E façamos delas luta.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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