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Receita Trump

Trump é apelativo a qualquer trabalhador, que se vê como branco, pobre (ou outrora remediado), e utiliza essa popularidade para apostar tudo na divisão da sociedade.

Donald Trump, candidato a candidato a Presidente dos Estados Unidos, continua a conquistar cada vez mais apoio popular, algo aparentemente inconcebível num país feito por emigrantes, e que está a abrir o caminho, até à Casa Branca, a alguém que tem na discriminação étnica o seu centro de ação política.

Fazer política por via da sua negação foi o paradoxo típico dos regimes fascistas, suportados num populismo que confunde a democracia, e o necessário debate político, com falta de pragmatismo. E Trump seduz o eleitorado com o mito do self made man, mesmo que feito à custa de uns milhões dados pelo seu pai milionário. Mas não importa, o que importa é fazer com que os milhões de emigrantes que entraram na terra das oportunidades em busca do sonho americano, e que agora se sentem defraudados, voltem a sonhar. E a comunidade lusa, nos Estados Unidos, não é exceção.

Muitos portugueses, incluindo açorianos e açorianas, deixaram a sua terra à procura de uma vida melhor – uma ambição que também é um direito – mas não é isso (ou não é só isso) que explica a sua vulnerabilidade aos encantos de Trump. Trump é apelativo a qualquer trabalhador, que se vê como branco, pobre (ou outrora remediado), e utiliza essa popularidade para apostar tudo na divisão da sociedade. Fá-lo de uma forma mais grosseira, porque sabe que não tem de ser tão subtil como, por exemplo, a direita portuguesa.

Infelizmente, encontramos sinais de que a comunidade luso-americana está vulnerável a este divisionismo. Em 2013, tivemos notícia de que os portugueses nos Estados Unidos ficaram desagradados por terem sido considerados como hispânicos, latinos ou de origem espanholai. É certo que parte dessa indignação dever-se-á ao orgulho nacional ferido, sempre que somos confundidos com os espanhóis, mas suspeito que parte desse incómodo tem a ver com a perceção que a comunidade luso-americana tem da sua própria posição na pirâmide social norte-americana, uma estratificação que Trump bem conhece e aproveita a seu favor.

Afinal de contas, apesar de partilhar características étnicas com os hispânicos, de falar uma língua com origem latina, e de ser explorada como, por exemplo, os mexicanos, precisamente quem se encontra na base da pirâmide social norte-americana, alguns luso-americanos, na verdade, preferem distanciar-se do estereótipo do mexicano (malandro, criminoso e branco). Por outras palavras, preferem fazer de conta que são brancos, pois só os brancos são trabalhadores, honestos e cultos, muito à semelhança de alguns portugueses que emigraram para França, e que agora votam na Frente Nacional e se orgulham por Marine Le Pen festejar as suas vitórias eleitorais num restaurante português.

É claro que nem todos os membros da comunidade luso-americana darão o seu apoio a Trump, tal como nem todos os emigrantes portugueses em França apoiam (ou apoiarão) a Frente Nacional ou a sua líder, mas não podemos pensar que, principalmente, a comunidade açoriana nos Estados Unidos está imune ao populismo e à demagogia, não estivessem também lá plantados alguns ingredientes de autêntico separatismo social que fazem parte da receita de Trump.


iDiário Insular (2013), “Portugueses nos EUA não querem ser considerados hispânicos”, 21 de setembro, pp.11.

Sobre o/a autor(a)

Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Membro do Bloco de Esquerda Açores. Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
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