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Quando as revoltas se transformam em revoluções

Se estas revoltas se transformarem em revoluções não é apenas o Norte de África e o Médio Oriente que poderão mudar de rumo.

Os Estados Unidos, os países europeus e Israel estão com um medo terrível de que as revoltas no Norte de África se transformem em revoluções. É que quando falamos de revoluções estamos a referir-nos a mudanças profundas no status quo. Não se trata, pois, de conceder, de forma paternalista, algumas liberdades formais. As revoluções não outorgam a outrem o poder de decidir ou de condescender: elas são movimentos de tomada colectiva da palavra e da decisão para mudar a estrutura do poder, da propriedade, da distribuição do rendimento e das posições de classe.

Não admira, por isso, que se reavivem as teses da “impossibilidade da democracia” nestes países, a par do espantalho do islamismo ou da impreparação das populações. Do mesmo modo, os sucessivos enquadramentos de uma “transição pacífica” (isto é: comandada habilmente pelo poder instalado, em geral amigo de Washington) visam acima de tudo reduzir o alcance dos protestos e limitá-los a eventos desgarrados, desesperados e relativamente conjunturais.

Poderemos estar a assistir à emergência de populações que se querem auto-determinar e nada aponta para que a religião esteja a assumir um papel primordial. Provavelmente subestimamos todos a consciência, a força e a vontade desta gente. A experimentação destes momentos de puro início poderá levar a uma consciência da especificidade árabe, conduzindo a uma acção colectiva organizada a partir de dentro, isto é, alimentada pela dinâmica da própria revolta. Desconfiemos, por isso, das lideranças súbitas, dos vira-casacas, dos aumentos de salários, das medidas de contenção de danos. Se estas revoltas se transformarem em revoluções não é apenas o Norte de África e o Médio Oriente que poderão mudar de rumo. O seu impacto será global.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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