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Quando o trabalho destrói vidas…

Os últimos dados da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) sobre os acidentes de trabalho comunicados até ao mês de setembro, indicam que o distrito do Porto continua a ser o campeão da sinistralidade laboral.

Em 2016 os acidentes graves já vitimaram 36 trabalhadores e os acidentes mortais foram 14, só naquele distrito.

Não há novidade nos números desta tragédia. São os operários e artífices das indústrias transformadoras e da construção as principais vítimas de acidentes de trabalho. É nas pequenas empresas com menos de 50 trabalhadores que se verificam mais de 50% dos acidentes. E é também no distrito do Porto, em que a desigualdade é mais acentuada, onde o salário médio mensal líquido dos assalariados é inferior em 76 euros ao salário médio líquido nacional (834 euros), em que há mais pensionistas por invalidez (40.686 em 2015) e em que os beneficiários de prestações de desemprego são mais de 50.000, é justamente no distrito onde mais famílias (80.562) se viram forçadas a recorrer ao rendimento social de inserção que ocorrem mais acidentes de trabalho com vítimas mortais.

O que há de novo é o agravamento significativo das condições de trabalho, em resultado dos programas de austeridade em Portugal e noutros países. Até o relatório do Eurostat “MR2013” admite que “os problemas de liquidez no setor bancário…levaram ao aumento do desemprego nos jovens e à diminuição da produtividade laboral”. Ritmos de trabalho excessivos, pressão das hierarquias, insegurança no emprego, horas de trabalho imprevisíveis ou para além do horário, falta de participação ou poucas perspetivas de carreira, aumentaram o stresse e outros riscos psicossociais no trabalho, com enormes custos humanos, económicos e sociais.

Na Europa, mais de 25% dos trabalhadores sofrem de stresse laboral e o custo económico anual desta perturbação psicossocial ultrapassa os 20 mil milhões de euros (OSHA, 2014). Na Áustria, um inquérito sobre a saúde dos trabalhadores mostrou que 42% dos empregados de escritório que optaram pela reforma antecipada o fizeram devido a perturbações psicosomáticas relacionadas com o trabalho. Um outro estudo (do Health and Safety Executive, 2013) revelou que no Reino Unido, em 2011/12, o stress laboral originou a perda de 10 milhões de dias de trabalho e um absentismo de 24 dias, em média. Na França, com base em estudos epidemiológicos relativos à depressão, doenças cardiovasculares e músculo-esqueléticas, o custo total do stresse profissional foi avaliado entre 2 e 3 mil milhões de euros por ano (Trontin et al., 2010). E são vários os relatórios oficiais a indicar que a taxa de sinistralidade entre os trabalhadores que trabalham sob pressão é quase cinco vezes mais elevada do que no caso dos trabalhadores que não trabalham naquelas condições.

Embora o relatório de 8/2/2005 do Parlamento Europeu sobre a promoção da saúde e da segurança no local de trabalho manifestasse (pág. 8/21) “preocupação com a taxa extremamente elevada de acidentes que se verifica ao nível dos trabalhadores temporários ou a prazo, a qual corresponde, em alguns Estados-Membros, a pelo menos ao dobro da que se verifica ao nível dos trabalhadores permanentes…”, o certo é que as políticas dimanadas da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu têm sido no sentido de enfraquecer a contratação coletiva e alargar a precarização das relações laborais, com a inevitável consequência de aumentar a ocorrência de acidentes de trabalho, assédio moral, stresse laboral e esgotamento (burn-out).

Também nesta matéria, para além da maior prevenção dos riscos psicossociais e do reforço do papel inspetivo e sancionatório da ACT, o que terá mais impacto na diminuição do número e gravidade dos acidentes de trabalho é o maior poder dos trabalhadores e suas organizações na organização e controlo dos processos de produção.

Sobre o/a autor(a)

Jurista. Membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda
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