O voto útil é um clássico. É como o “Sozinho em Casa” no Natal, a “All I Want For Christmas is You” da Mariah Carey ou o “Last Christmas” dos Wham!, só que em modelo campanha eleitoral: está presente em todas! Já sabemos o enredo, o desfecho e até conseguimos reproduzir algumas das falas antes mesmo de serem ditas pelas personagens - mas há uma coisa estranha que nos atrai a atenção em todas as vezes que passam na televisão ou na rádio.
O apelo do voto útil é facilmente explicável, mas um terror para as democracias. As pessoas são seduzidas para votar na solução menos má em vez de serem mobilizadas para as ideias que querem construir. Não por acaso, os maiores arrependidos em todas as eleições são os que se perdem nas teias dessa chantagem. O apelo é a um sentimento de culpa que nos querem impor caso as antecipadamente sobre o desfecho eleitoral - só o escutamos por um complexo de culpa socialmente criado.
É mesmo uma chantagem. O apelo pretende mobilizar pela desistência. Parece um paradoxo porque é mesmo um paradoxo. “Vote em mim porque eu sou menos mau do que aquele”, “O voto no meu partido é o único que pode parar aquele partido ou impedir aquela vitória”, “Os votos em X ou Y serão desperdiçados, o único voto útil é no partido Z”. É baralhar as frases anteriores e distribuir as ideias como se quiser e estão resumidos os argumentos do voto útil. Visto pelo prisma do “copo meio vazio”, o apelo é a que se coloquem de lado ideais ou valores, que se ignorem preferências ou simpatias, para nos resignamos a uma inevitabilidade qualquer. É um dos elementos que corrói as democracias e afasta as pessoas da cidadania porque tira valor ao voto individual colocando-o sempre numa perspetiva da sua utilidade perante um poder partidário ou político.
É paternalista. O voto útil é a imposição de uma vontade qualquer que se quer sobrepor ao nosso livre arbítrio. É um condicionamento de quem afirma ter uma opinião melhor do que a nossa sobre o futuro resultado eleitoral, adivinhado numa qualquer bola de cristal partidária. É um argumento de autoridade com que nos pretendem condicionar, subjugando o nosso direito e a nossa liberdade.
Então qual a verdadeira utilidade do voto? Ser a expressão das nossas opiniões para a vida em comum. Ser decidido em função da relação com os programas que vão a sufrágio e as listas que estão em confronto. Ser materializado enquanto indicação da nossa vontade para o resultado eleitoral. E ser usado sem amarras, condicionalismos, paternalismos ou outros ismos que nos queiram impor.
Quando tentarem impingir o voto útil, discurso estafado em todas as campanhas eleitorais, lembremo-nos que a utilidade do voto é medida pela representação que lhe queremos dar. O voto útil é o que resolve a vida das pessoas, esse é o voto fundamental e inadiável. E é aquele que não nos envergonha quando são apurados os resultados eleitorais.
Artigo publicado em expresso.pt a 14 de fevereiro de 2024
