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PSD e CDS não querem mesmo debater a sério a política externa portuguesa

Se o quisessem, teriam de responder a perguntas importantes, por exemplo, sobre a CPLP. O que dizem da entrada na CPLP da Guiné Equatorial, sob a ditadura sanguinária de Teodoro Obiang e que já dura há 25 anos?

Intervenção na Assembleia da República sobre o Projeto de Resolução nº 5/XIII/1ª (20/11/15), “Orientações fundamentais da Política Externa portuguesa”

Com este Projeto de Resolução em debate, PSD e CDS insistem numa agenda parlamentar de quem, verdadeiramente, nada quer discutir. É um agendamento apenas insistir numa guerrilha parlamentar permanente. E para quê? Apenas e só para presidente ouvir. Afinal, não conseguindo conviver bem com o resultado das últimas eleições, procuram uma tábua de salvação que ainda os agarre ao governo. É o desespero que os move, afinal. É uma espécie de espírito de sobrevivência.

E que pretendem com este debate? Acham que conseguirão mostrar ao mundo algo nunca visto: parece que PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV têm posições e pensamentos próprios.

Ora, para retirar qualquer dúvida, afirmamos com clareza e desde já. Sim, o Bloco de Esquerda tem pensamento e posições próprias. E sim, é possível com essas posições e mantendo os nossos princípios, fazer um acordo forte que responde à urgência do país e rompe com o empobrecimento.

PSD e CDS não querem mesmo debater a sério a política externa portuguesa. Se o quisessem, teriam de responder a perguntas importantes, por exemplo, sobre a CPLP.

Se lermos o texto apresentado por PSD e do CDS parece que tudo decorre às mil maravilhas. Então, o que dizem da entrada na CPLP da Guiné Equatorial, sob a ditadura sanguinária de Teodoro Obiang e que já dura há 25 anos? Nem uma palavra sobre o respeito pelos direitos humanos e a democracia neste país. Como é possível que o Governo português tenha aceite este desvirtuar da CPLP e dos seus princípios orientadores?

Ou o que dizem das declarações recentes de Obiang que continua a defender a pena de morte, apesar de ter prometido à CPLP que iria acabar com a pena de morte?!

E terá sido aceite a Guiné Equatorial na CPLP pela defesa e projeção da Língua Portuguesa?!

O anterior governo português calou-se totalmente perante a força dos negócios em torno da finança e do petróleo provenientes da Guiné Equatorial. Esta é que é a verdadeira mancha na política externa portuguesa e tem a mão do governo de PSD e CDS.

A CPLP tem nos seus princípios orientadores o “Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, da Boa Governação, dos Direitos Humanos e da Justiça Social”. É o Artigo 5º dos seus estatutos, alínea e). Conhecem, senhores deputados e senhoras deputadas do PSD e CDS? Aparentemente não. Pelo menos não o lembram a Rui Machete, Passos Coelho ou Paulo Portas.

E nem uma palavra tem no texto que apresentaram sobre a perseguição de jovens em Angola e o seu julgamento que mostra que não existe lá nenhum “Estado de Direito”. O regime angolano prendeu, torturou e está a julgar vários jovens, incluindo Luaty Beirão, cujo único crime foi o de estarem a ler um livro.

E o que nos dizem as escolhas de PSD e CDS quanto à política externa?! Bem, já diz o povo que quem cala, consente e é a isso que estamos a assistir!

Para um debate sério sobre as matérias em apreço, diríamos que para nós, um dos pilares fundamentais no âmbito da política externa e das relações internacionais, será o da promoção da paz e da solidariedade, no respeito e no cumprimento da Carta das Nações Unidas e da Constituição da República Portuguesa.

Conforme preconiza o ponto 1. do artigo 7º da Constituição da República, “Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados” e “da solução pacífica dos conflitos internacionais”.

Ora, o projeto de resolução apresentado ignora isto e nem uma única vez menciona as palavras “paz” e “solidariedade”, o que não deixa de ser surpreendente e até estranho. O que só mostra as escolhas e as omissões de quem apresenta este documento.

O Mundo vive tempos muito difíceis e perigosos. E a comprová-lo temos o recrudescimento de fenómenos como a xenofobia e o racismo, as vagas migratórias de refugiados que fogem das guerras e encontram pela frente muros de arame farpado e cargas policiais, fenómenos como a proliferação de guerras civis e do terrorismo. E o exemplo mais recente foram os trágicos acontecimentos dos atentados terroristas que ocorreram em Paris no passado dia 13 de novembro, perpetrados por monstros fanáticos às ordens do auto-designado Estado Islâmico. Toda esta monstruosidade teve a condenação inequívoca e absoluta de todos nós, há dois dias atrás, aqui, na Assembleia da República.

Mas já percebemos que se encontra em curso uma escalada de violência. Não nos enganemos, qualquer passo em falso, o avolumar do ódio e da guerra, a utilização do lema “olho por olho, dente por dente”, só conduzirá a mais sofrimento, a mais guerra, a mais vítimas inocentes.

Não esquecemos com o que se passou com as intervenções militares sob a direção dos EUA e da NATO, em países como o Iraque, a Líbia e o Afeganistão. A Caixa de Pandora abriu-se e o diabo passou a andar à solta: países completamente destruídos, proliferação das guerras e do terrorismo, centenas de milhares de vítimas e centenas de milhares de refugiados.

E lembramo-nos bem da Cimeira das Lajes, e onde estava a direita nessa altura: ao lado das mentiras que justificaram a política das bombas. Durão Barroso foi premiado e partiu para o exílio dourado de Bruxelas e lá se manteve durante dez anos. Paulo Portas foi condecorado pelo Pentágono com base na mentira.

Há algum pedido de desculpas que PSD e CDS queiram fazer ao país por este episódio vergonhoso?!

Impõe-se com urgência que se cortem as fontes que financiam o Estado Islâmico, que acabe a compra de petróleo. Que se acabem com os paraísos fiscais onde passeia o dinheiro para a compra de armas.

Torna-se necessário ir às fontes de financiamento e comércio e cortar o mal pela raiz. Sobre isto o projeto de Resolução também é omisso. Muitas das armas dos jiadistas são europeias, americanas, russas, israelitas. E há que questionar o papel de países neste conflito, como a Arábia Saudita, outras monarquias do Golfo Pérsico e até a própria Turquia. Onde está a coragem para isso?

O bombardeamento de retaliação é sempre o mais fácil, mas já provou muitas vezes ser a resposta errada. Vamos continuar a cometer esse erro?

Da parte do Bloco de Esquerda estamos, como sempre estivemos, disponíveis para todos os debates sérios, mas não é isso que nos foi proposto por este projeto de resolução. Por isso, sem surpresa, ele merecerá a nossa reprovação.

Mas enganam-se aqueles que querem tirar ilações internas desta votação, no que toca à resposta do Bloco à urgência social que se vive no país. Para o PSD e o CDS e como se diz na gíria popular: “tirem daí o cavalinho da chuva!”.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em História Contemporânea.
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