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Privatas do Ar, 
Portugal é um país ou é uma empresa?

O problema da TAP não são as dívidas e a falta de gasolina que a companhia, de repente, parece ter. O problema é vê-la pelo que ela não é. A TAP não é a Ryanair.

As empresas públicas não têm a mesma missão das empresas comerciais privadas, ou seja, não podem ser apenas fontes de lucro para os seus donos ou accionistas. As suas funções fundamentais, e que devem ser conservadas, são a coesão nacional e a redistribuição de riqueza, através da oferta universal dos seus serviços. Coesão e riqueza essas criadas pelo esforço de todos, de geração em geração. Estas empresas custam dinheiro, muito dinheiro, é certo. Mas é o preço a pagar por nos identificarmos e contarmos, solidariamente, uns com os outros, que é, na minha opinião, o que define um povo.

Confesso, desde que a TAP, contaminada pela lógica mercantil, quase que abandonou uma grande parte do país, privilegiando principalmente a capital, nunca mais me ficou nenhuma ternura particular por esta companhia aérea. Desprezou linhas que ligavam a grande maioria dos nossos emigrantes e ignorou o potencial que os nossos vizinhos galegos já na altura representavam. Fê-lo mal. E fê-lo porque quem decidiu pouco sai do seu gabinete e porque, infelizmente, neste país ainda sobrevivem muitos Calistos Elóis de Silos e Benevides de Barbudas. E aí, a TAP, como empresa, apesar dos esforços dos seus trabalhadores, tem falhado, dizem-nos. Mas se sim, deveria ter sido corrigida pela sua administração e pelos governos que a tutelavam. E teve tempo para o ser, incluindo nestes últimos 4 anos, mas nem sequer houve um pedido tentativo à Comissão Europeia por uma ajuda de estado ou algo aparentado, coisa que qualquer governo minimamente patriota na Europa com certeza tentaria. Mas, para grande males...piores remédios. Manda o governo demitido e em gestão: Privatize-se e rapidinho!

Porém, ao vendermos uma companhia pública, com objectivos de serviço público, quem garante que esta continuará a promover a tal coesão e a portugalidade de que tantos falam? Está no caderno de encargos? Quem o fiscaliza no futuro? E se não o cumprirem, quais são as consequências? Quem será o árbitro? Os aviões continuarão a voar para São Tomé? Cabo Verde? Angola? Ou até para o Porto? e Bragança, lá esquecida há tanto tempo? Por que o faria? Isso não dá lucro nenhum... Sejamos claros: não se deve vender o que é de todos sem de todos receber autorização para o fazer. A quase-dádiva a privados daquilo que a todos pertence deveria, e na opinião de muito boa gente com quem todos os dias me cruzo, obter o acordo de pelo menos dois terços dos deputados da República. No entendimento da maioria dos portugueses a coisa pública deve ser gerida protegendo os interesses do que é de todos, do que é nosso. Quem não sabe ou não quer, que fique em casa, não se candidate.

Privado pronto-a-vestir

Dizem-nos: a partir do momento que o Estado se veja livre do "fardo" do que é público, vai tudo correr às mil maravilhas. Os preços ao consumidor vão baixar, não haverá despedimentos, o serviço será mais rápido e de melhor qualidade, as reclamações serão tratadas com celeridade e compreensão, a sede ficará sempre aqui. Aliás, tal como aconteceu na Portugal Telecom, na EDP, na Galp, na Cimpor. Ai não? Afinal a realidade não é assim? Mas, foi isso que sempre nos disseram... pois...

Pois é, gostaria de ver os paladinos da boa gestão privada e do ódio ao que é público a construírem uma companhia de aviação de raiz, com aeroportos e aviões, oficinas, acessos e telecomunicações, gestão de tráfego internacional e gestão de segurança. Ou uma rede eléctrica nacional, uma rede de serviços de saúde, uma rede de saneamento, uma rede de distribuição de água, uma rede de estradas... mas assim, do nada, só com o dinheirinho deles, exclusivamente deles, sem rendas do Estado, tal como os portugueses, ao longo de décadas e a bem da colectividade, fizeram. Os privados gerem melhor? Sim, talvez, mas melhor para quem?

Sobre o/a autor(a)

Linguista. Dirigente distrital do Porto do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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