Está aqui

As PPP e o plano Costa Silva

Infelizmente, o Plano Costa Silva nada refere sobre a eliminação das taxas de portagens nas antigas SCUT. Assim sendo, as assimetrias e as desigualdades regionais irão prevalecer por muitos anos e, até agravar-se.

No passado mês de agosto a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos/UTAP, afeta ao Ministério das Finanças, publicou o Boletim Trimestral das Parcerias Público-Privadas referente ao 1.º trimestre de 2020. Neste 1.º trimestre, no âmbito dos contratos das PPP, o total de encargos líquidos suportado pelo Estado ascendeu a 500,8 milhões de euros, representando um acréscimo de 23,6 milhões de euros (+5%), em relação ao período homólogo de 2019.

Subdividindo as PPP por setores, verifica-se que os maiores custos se verificam no setor rodoviário (representa 83% do total), com os encargos líquidos a atingirem 415,8 milhões de euros no 1.º trimestre deste ano (com uma taxa de cobertura de apenas 17%), um acréscimo de 57 milhões (+16%), relativamente ao 1.º trimestre de 2019. Segundo o Relatório, tal aumento deve-se aos pagamentos a algumas concessionárias como compensação para a reposição do equilíbrio financeiro (+16,4M€), pelo aumento dos pagamentos por disponibilidade (+29,4M€), pelo aumento do pagamento de reconciliação (+8,8M€) e pagamentos referentes a litígios sobre os Dispositivos Eletrónicos de Matrícula (+7,1M€). Nestes pagamentos a vigarice e o roubo ainda são maiores, fruto de contratos leoninos negociados e tolerados pelos governos PS e PSD/CDS.

Já os encargos com as parcerias da saúde, no 1.º trimestre de 2020, atingem 80,9M€ (16% do total das PPP), enquanto no setor ferroviário representam 11M€ (2% do total).

Sem dúvida que é no setor rodoviário que os custos ao erário público, resultantes de pagamentos às concessionárias privadas, atingem valores exorbitantes. Durante o ano de 2020 o Estado pagará, de encargos líquidos, cerca de 1.600 M€ pelas PPP rodoviárias. Um autêntico descalabro, uma obscenidade, com o país mergulhado na crise que sabemos e que, infelizmente, se agravará. Quando, em tempos de pandemia, faltam meios financeiros para o SNS, para a Escola Pública, para valorizar as reformas, para o combate à pobreza, para o investimento público.

Mas a ignomínia e o escândalo ainda são maiores quando essas chorudas maquias se destinaram e se destinam a pagar as PPP das antigas SCUT (Sem Custos para o Utilizador), o regime de portagens criado em 1997. A não cobrança de taxas de portagens justificava-se pela necessidade de compensar determinadas regiões com medidas de discriminação positiva face à não existência de vias alternativas e às desigualdades e assimetrias regionais existentes no país. As vias sem custos para o utilizador funcionavam como um instrumento de solidariedade e de desenvolvimento sustentável em que o Estado assumia o investimento nas acessibilidades em zonas carenciadas e de baixa densidade, através da isenção do pagamento de portagens. Esse instrumento justificava-se inteiramente pelos seus impactos sociais, económicos e territoriais, particularmente nas regiões em que não há, ou são muito escassos os transportes públicos coletivos e individuais. Em suma, as SCUT funcionavam como um modelo de coesão territorial

O governo PSD/CDS não entendeu assim e em 2011 implementou as portagens nas ex-SCUT, com o apoio do PS. Depois vieram os governos de António Costa e continuou tudo na mesma. As desculpas residiam da troika, nas dificuldades do país, na situação financeira… Só que as PPP representam um sorvedouro monstruoso para os dinheiros públicos e agravam as assimetrias, as dificuldades às empresas e à economia e um sofrimento inaudito para utentes e populações.

E o sofrimento causado à economia, aos utentes e às populações ainda é maior no Algarve e nas regiões do interior, atravessadas pelas A22, A23, A24 e A25, devido às suas condições muito particulares e específicas, sem vias alternativas e devido à interioridade. Por exemplo, no Algarve ainda nem foi totalmente requalificada a EN125, faltando concretizar essa requalificação entre Olhão e Vila Real de Santo António, o que potencia a sinistralidade rodoviária, com muitos feridos e vítimas mortais na região.

Regressando ao relatório da UTAP, a Concessão Algarve que envolve a PPP da Via do Infante/A22, teve no 1.º trimestre de 2020 um défice de 15.2M€, com uma taxa de cobertura de 26% devido à cobrança das taxas de portagem. O que representará para o Estado, no final do ano, um prejuízo de cerca de 60 milhões de euros!

O que António Costa devia fazer era cumprir as promessas que fez em 2015, antes de ser primeiro ministro. Prometeu eliminar as portagens no Algarve e nas regiões do interior, mas até aos dias de hoje, lamentavelmente, ainda não cumpriu o prometido e palavra dada deverá ser palavra honrada. O governo PS tem agora uma boa oportunidade para apresentar ou aceitar propostas nesse sentido, no Orçamento de Estado para 20121.

Infelizmente, o Plano Costa Silva nada refere sobre a eliminação das taxas de portagens nas antigas SCUT. Assim sendo, as assimetrias e as desigualdades regionais irão prevalecer por muitos anos e, até agravar-se. E a coesão territorial do país continuará uma miragem. Com uma agravante: enquanto o povo continua a sofrer, uns quantos, muito poucos, enriquecem cada vez mais. Com o apoio e o beneplácito dos nossos governantes.

Artigo publicado em plataformamedia.com a 30 de setembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em História Contemporânea.
(...)