Por um sistema de saúde resiliente para todos: o exemplo da diabetes

porJosé Manuel Boavida

16 de maio 2023 - 22:41
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Falar de como um país trata a diabetes é falar de como um país trata a saúde da sua população. A diabetes deve servir de modelo à forma como os cuidados de saúde devem estar organizados para dar resposta à epidemia das doenças crónicas não transmissíveis.

Falar de como um país trata a diabetes é falar de como um país trata a saúde da sua população. A diabetes, como doença crónica, complexa e multifatorial, deve servir de modelo à forma como os cuidados de saúde devem estar organizados para dar resposta à epidemia das doenças crónicas não transmissíveis.

Tendo em conta que a diabetes é uma das doenças crónicas mais prevalentes, que é causa de mortalidade prematura e de incapacidade, que está na origem de muitas complicações de saúde, incluindo o agravamento de quase todas as doenças infeciosas (como foi o caso da pandemia da covid-19, durante a qual foi uma das principais causas de morte) ou crónicas (das doenças cardiovasculares ao cancro passando pelas doenças respiratórias, hepáticas, etc), é tempo de refletir sobre medidas concretas para lidar com ela.

A escassez de acesso a cuidados de saúde integrados e multidisciplinares nas doenças crónicas é um problema mundial e muito atual em Portugal. A APDP - Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, a associação de diabetes mais antiga do mundo (comemora este ano o seu 97.º aniversário), é um exemplo, reconhecido internacionalmente, de como os cuidados de saúde devem estar organizados. A equipa de saúde da APDP dá uma resposta integrada e multidisciplinar às necessidades individuais de cada pessoa.

Assegurar que as pessoas com diabetes têm a doença devidamente controlada através da prestação de cuidados de saúde ininterruptos e adequados (incluindo rastreios) e o reforço da sua autonomia na gestão quotidiana da sua situação, é crítico para conseguirmos melhores resultados de saúde e qualidade de vida, assim como sistemas de saúde mais resilientes. Apostar na prevenção, no acompanhamento e na autonomia de gestão, a curto e médio prazo, diminui consideravelmente os custos, a longo prazo, associados ao tratamento das complicações da doença e aos internamentos hospitalares que originam, para além da capacidade de "viver e trabalhar como se não tivessem a doença" (já dizia um cartaz da APDP de 1929).

O Parlamento Europeu comprometeu-se, em novembro passado, com uma resolução que lista uma série de recomendações aos Estados-Membros sobre prevenção, gestão e melhoria dos cuidados na diabetes. Entre várias medidas, todas elas fundamentais, a resolução sublinha a importância da melhoria do acesso a cuidados multidisciplinares, a tratamentos e a tecnologias, incluindo os dispositivos híbridos de administração de insulina. Sobre este tema em particular, a associação tem procurado, junto da Assembleia da República e do Ministério da Saúde, a concretização do acesso generalizado a estes dispositivos, decisão que iria aumentar substancialmente a qualidade de vida das pessoas com diabetes tipo 1.

A resolução europeia reconhece ainda a importância da colaboração, de forma estruturada, com as organizações de pessoas com doença, no desenvolvimento de um conjunto de medidas que reforçam o papel dos cidadãos na participação junto de todas as estruturas da sociedade, de modo a serem o centro das suas preocupações e decisões. O Parlamento Europeu deu um bom passo, mas é apenas o início. O foco deve passar agora pela existência de uma liderança coerente, eficiente e forte para eliminar a lacuna existente no que diz respeito à̀ ação política nas doenças crónicas.

No seu percurso quase centenário, a APDP manteve-se sempre como uma organização da sociedade civil que quer e insiste em participar na discussão das políticas públicas de saúde. É diferenciadora por se posicionar na vanguarda das orientações nacionais sobre diabetes e doenças crónicas, e pela compreensão do papel que as pessoas desempenham na gestão da sua doença.

Neste aniversário da APDP, realçamos a necessidade do Parlamento Português seguir o exemplo europeu. A diabetes pode ser mais bem cuidada e ser um exemplo para o Serviço Nacional de Saúde.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 13 de maio de 2023

José Manuel Boavida
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Boavida

Médico, presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), dirigente do Bloco de Esquerda
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