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Por um seguro agrícola público

O sistema de seguros agrícolas em Portugal é privado, contrariamente ao que acontece em Espanha, e os agricultores ficam à mercê do mercado de seguros.

Este ano o verão chegou tarde e com características completamente atípicas. Temperaturas elevadas com chuva e trovoada à mistura. Por momentos somos levados a pensar que estamos num clima tropical.

Segundo os estudos conhecidos sobre as alterações climáticas, fenómenos deste tipo tenderão a repetir-se e mesmo a agravar.

O problema é que a nossa agricultura não está adaptada a este tipo de condições climáticas e não temos um sistema se seguros que assegure a justa e necessária proteção dos agricultores.

A título de exemplo, para os mirtilos, os preços praticados são tão elevados que se torna absolutamente incomportável aderir a um seguro. Além disso, os prejuízos causados pelas pragas e doenças não têm cobertura pelo atual sistema.

Este ano os produtores de mirtilos estão a confrontar-se com problemas complicados que estão a causar enormes prejuízos.

Por um lado a chegada tardia do tempo quente impediu a normal maturação escalonada do fruto. Ou seja, a seguir a um longo período de frio e chuva vem repentinamente um forte aumento de temperaturas e tempo seco que conduz a um amadurecimento de quase todos os frutos ao mesmo tempo, portanto a uma enorme concentração da oferta, o que dificulta a sua comercialização.

Logo a seguir veio novamente um período de chuvas que impediu a colheita. O resultado foi enorme quantidade de frutos a amadurecer demais no arbusto e algumas podridões a atacar os frutos. A par disto, obviamente que o sabor fica abaixo do normal por deficiente concentração de açúcares.

Alterações climáticas trazem novas pragas

A este problema juntou-se um outro, o mais grave de todos até ao momento, um ataque de Drosophila suzukii que está causar o desespero dos produtores.

Esta espécie é uma pequena mosca oriunda do Japão que chegou recentemente a Portugal. Está classificada como praga de quarentena dadas as dificuldades de a combater e os enormes prejuízos que causa.

As capacidades, de reprodução rápida e de voo, dão à drosófila um forte potencial de dispersão local, alguns quilómetros em redor. O comércio mundial de frutas que é considerado o principal meio de expansão desta praga. Frutos contaminados com ovos ou larvas de Drosophila suzukii asseguram dessa forma a sua dispersão a longas distâncias.

Condições de secura durante o verão diminuem a atividade do inseto. Temperaturas superiores a 25 graus centígrados e humidade relativa do ar inferior a 60%, também lhe são desfavoráveis. Estudos feitos até agora parecem demonstrar que a Drosophila suzukii prefere os climas húmidos mais a norte, relativamente às condições de maior secura e aridez do Mediterrâneo.

As preferências Drosophila suzukii climáticas têm limitado a sua expansão em Portugal.

Este ano com as condições climatéricas completamente alteradas, o tempo fresco e húmido favoreceram um fortíssimo ataque desta praga, nomeadamente na região de Viseu onde há produtores desesperados com os enormes prejuízos.

Todos os frutos com sinais de infestação devem ser removidos do campo e destruídos, preferencialmente, por fogo, segundo indicação dos técnicos especialistas. Frutos contaminados deixados no solo poderão estar a propagar a praga por mais 14 gerações.

Há produtores que se endividaram para fazer uma colheita que agora se vêm obrigados a destruir. É o trabalho de um ano, e em alguns casos, mais o endividamento para pagar a colheita, que está comprometido.

Alguns destes produtores, são os mesmos que no ano passado tiveram a sua produção completamente destruída pelo granizo. O desespero começa a instalar-se.

É preciso um sistema público de seguros agrícolas

O sistema de seguros agrícolas em Portugal é privado, contrariamente ao que acontece em Espanha. Os agricultores estão à mercê do mercado de seguros organizado para defender os interesses do negócio das seguradoras, apesar destas receberem financiamento público.

A título de exemplo, para os mirtilos, os preços praticados são tão elevados que se torna absolutamente incomportável aderir a um seguro. Além disso, os prejuízos causados pelas pragas e doenças não têm cobertura pelo atual sistema.

Para evitar novos anos de desespero ou o abandono da cultura no centro e norte do país, é urgente pensar num sistema público de seguros que garanta a necessária proteção aos agricultores, por exemplo à semelhança do que existe na Espanha. Sem isso será muito difícil compensar as perdas de rendimento que estão a agravar-se por causa das alterações climáticas. Anos como este tenderão a repetir-se.

A par desta necessidade de construir uma visão estratégica para o futuro deste sector que se desenvolveu com à custa de financiamento público (PRODER e PDR) é urgente acudir aos prejuízos e ao desespero de quem pelo segundo ano consecutivo vê o seu trabalho de um ano perdido.

Tudo isto só poderá conseguido com uma forte organização dos produtores.

Sobre o/a autor(a)

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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