Foi no passado mês de junho que se aprovou em conselho de ministros a proposta de aumento do tempo de espera para obtenção da nacionalidade portuguesa. Foram também propostas alterações ao reagrupamento familiar, alteração de atribuição de vistos de trabalho e uma série de outras medidas que mandam Portugal mais de uma década para trás no que diz respeito a políticas migratórias.
O governo de direita decidiu adotar para si próprio a agenda dos seus amigos de bancada mais extremados deixando assim a social democracia algures num canto recondido do gabinete do primeiro ministro. As políticas que vêm sendo apresentadas são uma ameaça à vida de milhares de pessoas que procuraram Portugal para construir as suas vidas e mostram que somos governados por pessoas que pouco se importam com a dignidade humana.
Com filas intermináveis na AIMA que deixam pessoas anos a aguardar respostas, com casos de imigrantes explorados nos mais diversos setores do trabalho, com casos de habitações sobrelotadas e não dignas a serem impostas a pessoas migrantes devido aos baixos salários e com uma crescente onda de racismo e xenofobia contra estas pessoas a prioridade do Partido Social Democrata não foi a resolução de problemas existentes. Montenegro, como quer mesmo muito trabalhar, arregaçou as mangas e decidiu que iria piorar a vida de quem é imigrante em Portugal.
O que estamos a testemunhar é um governo composto por covardes e lacaios do capital. Temos à nossa frente um exemplo daquilo que é a solução da direita para o seu país: culpar pessoas que se encontram em posições de extrema vulnerabilidade para não ter que lidar com os problemas estruturais que enfrentamos em portugal; meter o povo contra o povo para que não se fale na crise da habitação, na crise dos serviços públicos, da precariedade laboral e das incertezas causadas pelas guerras no mundo.
Montenegro e os seus lacaios querem fazer-nos acreditar que um imigrante tem culpa dos males de um país que foi governado por quem optou servir os interesses dos patrões e da união europeia.
A xenofobia enraizada: como reagir e que reflexões fazer
Lemos e ouvimos mitos importados de que estas pessoas vêm para portugal “roubar” os trabalhos dos portugueses, que “ocupam” vagas nos serviços públicos e que não querem aceitar costumes nem “integrar-se” na sociedade portuguesa. Tudo isto é mentira; todos estes pseudo-argumentos são fabricados pela ala mais reacionária da sociedade para semear o ódio contra pessoas que não querem ver como iguais a si; todos estes argumentos são para meter no lixo e acompanhar os mesmos com as ideologias neo-fascistas que do ódio se alimentam.
Todas as fantasias que a extrema-direita tenta vender são desmontadas rapidamente e tenho todo o gosto em dar exemplos de resposta a estas frases feitas que ninguém são aguenta mais:
“Estão a roubar-nos os trabalhos!”
Que trabalhos? Aqueles que os portugueses não aceitam devido aos baixos salários e condições laborais inexistentes? Os imigrantes são explorados por capitalistas que viram neles uma camada mais vulnerável da sociedade e que mais rapidamente aceitam uma remuneração desumana.
Nenhum imigrante roubou trabalho. Os patrões é que te roubaram o salário.
“Estão a utilizar os recursos dos nossos serviços públicos!”
Está comprovado que as crises recorrentes no Serviço Nacional de Saúde e na Escola Pública se devem a uma péssima gestão de recursos e de subfinanciamento crónico. Os responsáveis são o PSD e o PS por escolherem governar para mostrar aos senhores de bruxelas e não para o povo que os elegeu.
“Não se adaptam à cultura”
Pessoas migrantes não vos devem uma total mudança na sua forma de estar para serem merecedoras de uma vida digna. Um país como Portugal sabe o que é ter que ir além da sua fronteira em busca de uma vida melhor e sempre foi conhecido por preservar a sua identidade ao viver no estrageiro. É, no mínimo, profundamente hipócrita fazer exigências a pessoas que nada nos devem só porque algumas pessoas têm medo do que consideram diferente.
Onde fica a esquerda?
É nestes momentos que devemos pensar sobre o que realmente se passa em Portugal no que toca à xenofobia e ao racismo. Dois problemas sistémicos que continuam a ser ignorados, mas que a esquerda progressista tem a obrigação de desconstruir.
Nunca foi tão gritante a necessidade de descolonizar o nosso ensino e a nossa cultura; nunca foi tão assustadora a normalização do assédio moral e físico levado a cabo contra pessoas não portuguesas e não brancas, mas agora com a agravante de estar presente no Parlamento e nos media.
A esquerda tem, neste momento, um desafio para o qual não se preparou nos últimos anos e tal está a sentir-se nos momentos de confronto direto com as forças reacionárias.
Uma esquerda progressista, a nossa esquerda, tem o dever de participar ativamente no debate público para ser a força que desmente as falácias da extrema direita; tem a obrigação de estar nas ruas na luta antirracista e fazer desta uma pauta central do seu pensamento teórico e ação diária; a esquerda tem que estar preparada para ocupar espaço fora do parlamento e marcar agenda no que diz respeito ao combate contra as narrativas xenófobas.
Acima de tudo, a esquerda deve abandonar imediatamente o discurso do “imigrante bom porque desconta/trabalha”. Nenhuma pessoa se mede pelo que produz e este é um discurso de lógica capitalista.
Enfrentamos tempos adversos, mas isto não nos deve intimidar na hora de lutar pelo que sempre defendemos enquanto marxistas com uma visão decolonial da história.
A organização e mobilização serão elementos chave para a nossa luta de libertação coletiva e contra aqueles que nos querem ver amorfos e submissos. Este governo bafiento encontrará resistência na sua tentativa de regresso ao passado e será necessário um regresso à génese combativa que nos deu origem.
Lembremos sempre: ninguém é ilegal e ninguém vale apenas o seu trabalho
Artigo publicado em A Contradição (acontradicao.pt)
