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Pena de morte: um dos maiores crimes dos Estados Unidos

O caso da condenação à morte do jornalista Mumia Abu-Jamal ganhou uma reviravolta inesperada no final de Abril, quando um tribunal federal dos Estados Unidos declarou pela segunda vez que a pena de Abu-Jamal era inconstitucional.

O Tribunal Federal de Apelação de Filadélfia considerou que o júri recebeu instruções duvidosas para a condenação, tal como na orientação sobre a forma de veredicto. Apesar da controvérsia a respeito da culpabilidade ou inocência de Abu-Jamal não ter sido tratada, o caso traz à tona os problemas inerentes à pena de morte e ao sistema de justiça penal norte-americano, especialmente no que toca a questão racial.

No dia 09 de Dezembro de 1981, o oficial de polícia de Filadélfia Daniel Faulkner deteve o automóvel conduzido por William Cook, irmão de Abu-Jamal. O que aconteceu em seguida ainda é motivo de debate. Houve disparos e tanto o oficial Faulkner como Abu-Jamal sofreram o impacto das balas. Faulkner morreu e Abu-Jamal foi considerado culpado por homicídio num processo judicial que o juiz Alberto Sabo, cuja fama de racista é pública, presidiu. Em apenas um dos vários absurdos em torno do caso, uma taquígrafa do tribunal declarou sob juramento que escutou Sabo dizer na ante-sala do tribunal que ia “ajudá-los a executar esse negro”.

O parecer mais recente do tribunal de apelação está directamente relacionado com a conduta do Juiz Sabo na fase de condenação do julgamento de Abu-Jamal. O Supremo Tribunal da Pensilvânia está a considerar vários argumentos sobre se Abu-Jamal recebeu ou não um julgamento justo. Até ao momento, o tribunal de apelação concluiu, de forma unânime, que o prisioneiro não recebeu a condenação correcta. O Promotor do Distrito da Filadélfia, Seth Williams, decidiu usar a nova falha para apelar ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Sobre o facto, Williams disse: “Não vou pedir que se reveja todo o ditame do Tribunal de Apelação, mas creio que, nesta altura, pedirei ao Supremo Tribunal que esclareça a situação e tome uma decisão sobre o que deveríamos fazer neste momento”.

Como consequência do erro judicial, Abu-Jamal poderia obter uma revisão completa da sentença no tribunal, perante um novo júri. Na audiência de revisão, seriam dadas instruções claras ao júri sobre como decidir entre a prisão perpétua e a pena de morte, que, segundo o tribunal de apelação, não ocorreu em 1982. Na melhor das hipóteses, Abu Jamal sairia da reclusão e isolamento do “corredor da morte” da prisão de segurança máxima SCI-Greene da Pensilvânia. John Payton, advogado director do Fundo de Defesa Legal da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, sigla do nome em inglês), e representante legal de Abu-Jamal, ressaltou que “reconhecer a falha é um passo importante na luta para corrigir os erros de um capítulo lamentável na história da Pensilvânia (...) e ajuda a relegar para um passado longínquo o tipo de injustiça em que se baseou esta condenação de morte”.

A sua outra advogada, Judith Ritter, professora da faculdade de direito da Universidade Widener, disse-me: “Isto é extremamente significativo. É literalmente uma decisão de vida ou morte, e ratifica a declaração de princípios da década de 2000 que suspende a pena de morte. Mais uma vez conquistámos uma vitória judicial sobre o facto do júri ter ditado uma condenação inconstitucional”.

Perguntei à advogada Ritter se tinha falado com Abu-Jamal depois do tribunal anunciar a falha, e ela disse-me que a prisão impediu um telefonema legal de emergência. Não me surpreendeu, considerando a quantidade de anos em que estou a cobrir este caso.

Abu-Jamal enfrentou muitos obstáculos para fazer escutar sua voz. No dia 12 de Agosto de 1999, enquanto estávamos a transmitir ao vivo o programa do Democracy Now!, Abu-Jamal ligou-nos a pedir para ser entrevistado. Quando começou a falar, um guarda da prisão arrancou o telefone da parede. O prisioneiro voltou a ligar dali a um mês e descreveu o que acontecera:

“Outro guarda apareceu na porta da cela a gritar em tom enérgico, ’Este telefonema terminou!’ Quando exigi saber porquê, respondeu 'esta ordem veio de cima'. Imediatamente chamei o sargento que estava de guarda, ’Sargento, de onde veio esta ordem?’ Encolheu os ombros e respondeu: ’Não sei. Simplesmente recebemos um telefonema para cortar-lhe a comunicação’”.

Abu-Jamal apresentou um protesto contra a violação dos seus direitos e ganhou a disputa.

Apesar de permanecer no isolamento, Mumia Abu-Jamal continuou durante todo este tempo com o seu trabalho como jornalista. Os seus comentários via rádio são transmitidos para todo o país. Assim fecha o seu programa em cada semana: “Do corredor da morte, sou Mumia Abu-Jamal”. Mumia Abu-Jamal é autor de seis livros e recentemente foi convidado a apresentar uma conferência sobre encarceramento racial na Universidade de Princeton. Ali disse (do seu telemóvel ligado a um microfone): “Muitos homens, mulheres e jovens povoam o complexo industrial carcerário dos Estados Unidos. Como muitos de vocês sabem, o nosso país, com apenas 5% da população mundial, tem 25% dos presos do mundo inteiro... A quantidade de pessoas negras nas prisões daqui supera a do regime do apartheid na África do Sul no seu pior momento”.

Os Estados Unidos apegam-se à pena de morte, ficando isolado nesta matéria entre os países do mundo industrializado. De facto, encontra-se entre os países do mundo que realizam execuções com maior frequência juntamente com China, Irão, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Iémen. O erro que veio à tona esta semana no caso de Mumia Abu-Jamal é mais uma razão clara do porquê abolir a pena de morte.

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe para Democracy Now! em espanhol.

Texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisto por Bruno Lima Rocha, para Estratégia & Análise.

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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