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Pela nossa saúde

Porque não podemos beneficiar da utilização medicinal da canábis? A resposta é simples: porque é ilegal, dado que a nossa lei ainda se baseia em vários preconceitos e dogmas que nos estão, literalmente, a fazer mal à saúde.

A canábis é uma planta sobre a qual quase toda a gente tem opinião. Gera debates acalorados, piadas variadas e, muitas vezes, os factos são substituídos por caricaturas. Este artigo irá utilizar os factos para que o debate seja mais profundo e consequente. Não é que não goste de humor, mas, como diz o nosso povo, com a saúde não se brinca.

Comecemos pelos argumentos científicos. A canábis é uma das plantas mais estudadas no mundo pelas suas propriedades e características, sendo utilizada para fins muito diversos. Aliás, uma grande parte destes estudos é sobre o uso da canábis para fins medicinais, que é o tema deste artigo.

Como pode a canábis ser usada para fins medicinais? Esta planta tem-se provado eficaz no tratamento da dor e tem-se provado eficaz para lidar com os sintomas de doenças neurodegenerativas e neuromusculares, para além da sua eficácia estudada e comprovada em doenças como a fibromialgia, a artrite, os distúrbios alimentares ou o glaucoma. E essa eficácia é alcançada com vantagens face a outros medicamentos para o mesmo efeito: comparando com outros opiáceos habitualmente ministrados, é menos propícia a criar dependências e tem o risco quase nulo de morte por overdose.

Um dos problemas que enfrentam os doentes que fazem quimioterapia é o sentimento de náusea permanente, os vómitos e a redução do apetite. Os tratamentos para o VIH/sida, por vezes, também originam os mesmos problemas de apetite. A administração de canábis como tratamento complementar pode ajudar na eliminação destes efeitos secundários, aumentando o apetite dos doentes, o que ajuda a uma melhor recuperação e resposta ao tratamento.

A investigação recente comprovou, ainda, os benefícios da canábis no controlo da epilepsia. O uso de derivados desta planta tem provado reduzir drasticamente as convulsões, melhorando a qualidade de vida e diminuindo os riscos, particularmente em crianças. Eis, então, uma outra possibilidade.

Há vários exemplos mais, mas mencionarei apenas mais um pela importância que a doença tem assumido recentemente: a doença de Parkinson. As limitações originadas por esta doença, desde a dor até aos espasmos musculares e tremores, podem ser minorados pelo uso da canábis.

Os argumentos utilizados até agora são comprovados por estudos científicos e investigações idóneas. Assim, creio que a pergunta seguinte é a mais básica: Porque não podemos beneficiar da utilização medicinal da canábis? A resposta é simples: porque é ilegal, dado que a nossa lei ainda se baseia em vários preconceitos e dogmas que nos estão, literalmente, a fazer mal à saúde.

Olhemos, então, os preconceitos com a racionalidade necessária, olhando para o que está a ser feito internacionalmente, para elevar o debate. Comecemos por uma das acusações mais recorrentes: "A legalização da canábis para fins medicinais pode trazer problemas de saúde pública!" Nada mais falso: o que coloca problemas de saúde pública é atirar as pessoas que estão desesperadas para as mãos do mercado negro e do submundo da droga. Como se pode justificar a crueldade de negar a alguém doente o alívio que a canábis pode trazer? E insistir nessa crueldade quando os restantes medicamentos falharam? Quando as perguntas são tão avassaladoras, a resposta só pode ser simples e direta: não é possível, a lei deve ser mudada.

Um outro argumento utilizado contra a canábis é: "Não se conhecem os efeitos secundários!". Esta acusação não é verdadeira, dado o vasto leque de estudos científicos que estão disponíveis. O que podemos dizer é que a utilização da canábis medicinal cumpre a mesma exigência científica do que qualquer outro fármaco.

O último preconceito prende-se com a ideia da exceção: "Isso não é feito em mais país nenhum!". Completamente falso: só na Europa já não chegam os dedos de uma só mão para contar os países que legalizaram a prescrição e dispensa de canábis para fins medicinais. Exemplos mais importantes e simbólicos são a Itália, Dinamarca e Alemanha. Do outro lado do Atlântico, o mesmo se passa no Canadá e em 29 estados dos EUA. Mais a sul, podemos enumerar o México, a Argentina, o Uruguai e o Peru.

Esgrimidos os argumentos, a conclusão parece-me óbvia: o nosso país deve legalizar a utilização de canábis para fins medicinais. O Bloco de Esquerda levará esse debate à Assembleia da República já no início de 2018. Pelo direito à saúde, para vencer os preconceitos que ainda nos oprimem.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 28 de dezembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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