O grande compagnon de route de José Manuel Fernandes e das suas diatribes afirma-se um liberal. Por isso, abominando a intervenção do Estado na esfera privada, vota contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e até (veja-se como o seu espírito é rebelde e independente), a insólita proposta de união civil registada, apresentada pelo seu partido. Suponho que, pelo mesmo critério, vilipendie a criminalização da violência doméstica.
Puro liberalismo, pensaríamos. Mas eis que, aos poucos, no Público e na Quadratura do Círculo, revela em espirais aproximativas o seu fundo ideológico. O casamento homossexual é uma intromissão do Estado na família nuclear e no seu potencial de procriação, instituição central da nossa Civilização. De um só golpe, o historiador apaga o processo histórico e redescobre a essência, entidade metafísica que mais não é, sabemo-lo, do que um poderoso travão retórico à descoberta dos conflitos e das dinâmicas que mudam as sociedades. O Casamento. Com C grande. O único, verdadeiro e indesmentível. A Família Nuclear, com F e N maiúsculos. No singular singularíssimo. Pai, mãe e filhos. Multissecular. Eis o mundo de Pacheco que, num espirro, adianta ainda que os homossexuais têm uma espécie de agenda oculta: a destruição da dita Família Nuclear e, percebe-se pelos implícitos, da monogamia e a da procriação. Mais: a adopção por casais de pessoas do mesmo sexo promoveria a pederastia (nesta afirmação, proferida na Quadratura do Círculo tão pouco adiantou argumentos, limitando-se ao auto-elogio por ser capaz de «afirmar o politicamente incorrecto»).
Conclui com o habitual argumento de que a esquerda, mormente o Bloco, substituiu a luta de classes pela luta cultural. Nesse argumento, é curiosamente acompanhado por Margarida Botelho, jovem dirigente do PCP num recente artigo publicado na revista O Militante. A ela voltarei. Estou cheio de vontade de trocar umas ideias sobre o assunto. Mas Pacheco toldou-me por ora o caminho. Que saudades tem o valente liberal da velha e boa luta de classes, à maneira do século XIX! Que saudades tem de tudo o que é passado.