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Outro senso comum, faz favor

Às ideias do senso comum fortemente implantadas a sua denúncia não serve. É preciso discuti-las onde abrem caminho, ou seja, no debate político. Até porque “com vinagre não se apanham moscas”.

O senso comum não é obra divina e tem uma origem bastante real. Diria que é um produto histórico, social, político e acima de tudo ideológico. Portanto, não creio existir apenas um senso comum, mas é certo que há um que prevalece sobre os outros, um que é hegemónico e que domina sobre os outros.

A simples presença num qualquer lugar comum conta com a interação entre uma pessoa e esse grupo de ideias. Se não for pela opinião, pode ser mesmo pelos ditados populares, como exemplo. Dirão em resposta à perda dum salário que “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”; que temos de ser empreendedores, porque “a necessidade aguça o engenho”. A “água corrente não mata a gente” poderá ser uma das próxima a ser ditas por António Borges para adicionar ao comentário sobre sem-abrigos e, “a cavalo dado não se olha os dentes”, dirão sobre os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), e por aí fora.

Além do cariz cultural e social destas referências populares, estas têm intrinsecamente uma enorme questão ideológica porque representam a resposta mais conservadora a qualquer problema e, pior do que isso, uma resposta simplista. As respostas simplistas são poderosas porque são cómodas. Maravilha para o comodismo e mais uns pontos para o conservadorismo.

“Os beneficiários de RSI são um malandros”; “antes é que é era bom”; “não há dinheiro”; “isto não vai lá com manifestações”; “a culpa é dos políticos”; “temos é de ser empreendedores”. Estas ideias fazem parte do discurso público, inclusivamente do discurso político deste Governo. Portanto, a simples acusação de “populismo” não tem qualquer efeito. Porque sim, são populistas, mas sim, ajudam à manutenção e consolidação do senso comum conservador que tanto jeito dá aos governos que por cá têm passado.

A estas ideias fortemente implantadas a sua denúncia não serve. É preciso discuti-las onde abrem caminho, ou seja, no debate político. Até porque “com vinagre não se apanham moscas”. Perceber o seu objetivo, a história que as sustentam, tem de ser o primeiro passo. Ninguém pensa honestamente obter mudanças de opinião respondendo a alguém que diz “isto não vai lá com manifestações”, dizendo: “isso é populista”. Mas pode responder que, quando as pessoas se chegam à frente, elas mudam a realidade, basta olhar para o recuo na TSU com a manifestação do 15 de Setembro. Da mesma forma, ninguém terá uma reação semelhante a alguém que diz que os beneficiários do RSI são uns malandros. Mas poderá dizer que é estúpido chamar malandro a esses beneficiários que, na verdade, a sua maioria são crianças e pessoas reformadas. Estúpido e ridículo.

Reações simplistas a questões complexas não têm efeito nenhum. Por outro lado, respostas simples, fruto de um intenso debate sobre a origem deste senso comum, podem abrir muito mais caminho. Ou seja, responder às ideias desta combinação cultural, histórica, política e ideológica com “bocas” que fazem parte da nossa realidade, é inútil. Não só porque “quem diz é quem o é”, mas porque renega o trabalho concreto de compreender que o esforço de congregar forças numa sociedade inclui necessariamente perceber como comunicar com a sua maioria. E é para isso que também cá estamos.

Sobre o/a autor(a)

Membro da Comissão Permanente do Bloco de Esquerda. Doutorando em Ciência de Computadores
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