Mas, perguntará o leitor, não é importante, em momento de urgência social, matar a fome às pessoas? A resposta não passa por negar essa necessidade, mas deve fazer perguntas a montante: não é muito mais justo e racional evitar a intensa produção de pobres que estas políticas de austeridade têm causado, nomeadamente ao aumentarem o desemprego, ao reduzirem o universo de abrangidos pelo rendimento social de inserção e abono de família que, mesmo sem serem medidas particularmente audazes, tiveram pelo menos o mérito de minorar a intensidade da pobreza? Não seria mais justo e racional acabar com os trabalhadores pobres, isto é, as centenas de milhar de pessoas que recebem um salário tão baixo que não conseguem superar o limiar de pobreza (411 euros)?
Mas a Direita deseja controlar os pobres, domesticá-los, dividi-los entre os “bons pobres” (“os nossos”, os “assistidos”, os “utentes”) e os outros (os “perigosos”, “mandriões, “viciosos”). Ao mesmo tempo, pela ação de proximidade, permite que as instituições privadas de solidariedade social exerçam um domínio clientelar e de contenção da raiva e da miséria extrema, contendo possíveis conflitos e impondo “boas maneiras”. Esta pobreza mansa é o sonho da Direita: sem Estado Social, o Estado não deixará, por mãos alheias, de matar a fome, como quem presta um favor que será cobrado, mas sem nunca permitir que deixem de ser pobres.
Sérgio Aires, sociólogo da rede europeia anti pobreza, chama-lhe a “misericordização" da protecção social: misericórdia para os pobres assistidos por misericórdias; nenhuma redistribuição, zero solidariedade.