Os novos passos da ciência Frankenstein

porLuísa Bastos

21 de maio 2012 - 11:46
PARTILHAR

Se acha que se conseguiu livrar dos OGM, surpreenda-se com os animais transgénicos. Um animal transgénico é aquele que foi geneticamente modificado para ser portador de genes estranhos à sua espécie.

O criador do ser desconhecido, incompreendido, temido e com consequências imprevisíveis está de volta! Mas desta vez não é ficção. Se acha que se conseguiu livrar dos OGM (organismos geneticamente modificado), surpreenda-se com os animais transgénicos. Um animal transgénico é aquele que foi geneticamente modificado para ser portador de genes estranhos à sua espécie.

Muito à semelhança do que se passa com com as plantas geneticamente modificadas, as consequências que estes animais terão na saúde humana e na evolução de outras espécies devido a contágios é imprevisível. No entanto, alguns animais transgénicos como o salmão “Frankenfish” estão já introduzidos ou em vias de serem introduzidos no mercado na China, Canadá e EUA.

Os animais resultantes desta investigação têm sido “desenvolvidos” com o objetivo de serem mais ecológicos – como o Enviropig – ou mais baratos por crescerem mais rápido – como o Frankenfish – ou mais resistentes a doenças – como o frango resistente à gripe das aves. Mas há também o caso de animais de companhia transgénicos – como o peixe-zebra fluorescente (com um gene de medusa).

Algumas cientistas defendem que esta área de investigação pode servir para criar “animais” transgénicos não sencientes retirando-lhes, por exemplo, a capacidade de sentir dor ou ansiedade. Com isto dizem que ultrapassariam os entraves éticos à confinação e morte de animais para alimentação e até para alguma investigação. Em outros laboratórios, cientistas criam carne in vitro sem recorrer ao uso de animais. Esta carne de laboratório pode ser mais saborosa e nutritiva que qualquer carne de animal.

Serão estas duas vertentes de investigação igualmente éticas? Na primeira, animais estão a ser criados, sofrendo grande parte deles problemas físicos graves durante o seu desenvolvimento. Na segunda, está a ser produzida carne num processo isento de sofrimento animal.

Portanto, temos escolha. Não estamos confinadas ao cenário dogmático da experimentação animal (EA). Muita da EA é justificada como sendo necessária para a evolução da saúde humana. Este argumento tem sido altamente questionado tanto ética como cientificamente. Em poucos anos e com poucos fundos relativamente ao que é atribuído à investigação com animais, já se provou que existem alternativas éticas e mais eficientes para se adquirir conhecimento.

Além disso, a investigação de animais transgénicos para alimentação tem uma natureza maioritariamente económica. Temos de nos perguntar que limite colocamos na ciência e na sociedade. Vale tudo logo que não seja em seres humanos?

Queremos continuar a seguir uma ciência frankensteiniana, onde a descoberta como fim não olha aos meios para a conseguir? Onde a descoberta nos pode levar ao fim da vida como a conhecemos? Ou queremos continuar a descoberta do mundo e do universo tentando pelo menos minimizar os riscos desse conhecimento? Queremos dar à ciência o mesmo rumo dos descobrimentos, baseado na superioridade e na supremacia do humano, homem, branco? Desta vez, simplesmente humano. Ou queremos um rumo de respeito pelos interesses de todas aquelas que os têm? Um rumo de responsabilidade como consequência do conhecimento “do outro”?

Tradicionalmente, a sociedade tem tratado os animais como objetos. A própria lei ainda os trata como tal. Mas a ciência há muito que percebe as diferenças que existem entre animais sencientes e objetos inanimados. A ciência sabe que do rato ao macaco existem condições mais ou menos complexas a satisfazer para o bem-estar destes animais. Nenhuma dessas necessidades é compatível com as situações e condições a que são sujeitos os animais utilizados na experimentação transgénica.

Se a ciência já conseguiu demonstrar que os ratos têm a capacidade de ser altruístas – são capazes de passar fome para não provocar sofrimento físico a outros ratos – não seremos nós capazes de abdicar de experiências injustificáveis, direcionando a sede de dominação do conhecimento para projetos que não violem os interesses básicos de outros seres?

Há um movimento político europeu no sentido de melhorar as condições dos animais criados para alimentação, motivado por uma crescente consciência social do mal-estar destes animais pelas condições em que são criados. Mas a indústria dos animais transgénicos para a alimentação está a reforçar o tratamento de animais como objetos.

Se considerarmos que, como membros da espécie humana, temos deveres morais apenas perante os membros da nossa espécie – como forma de garantirmos uma existência harmoniosa com quem nos pode ferir – então, não deverá haver qualquer problema moral em tratar um animal não humano como uma coisa. Aliás, pouco haverá em nós que se relacione com moral. No entanto, se, como seres humanos, tivermos uma genuína consideração pelos outros de tal forma que sentimos desconforto em infligir sofrimento em outros seres da espécie humana ou não, então, não podemos considerar moralmente aceitável a produção de animais transgénicos.

Luísa Bastos
Sobre o/a autor(a)

Luísa Bastos

Investigadora em engenharia biomédica
Termos relacionados: